Por Carlos Sherman
Bom, mas aqueles que defendem o Lula alegam que os seus quatro governos – sem e com saia – foram muito melhores do que a tragédia mitológica em curso. Citam o Bolsa Família – que Lula demonizou em campanha, e depois utilizou em campanha -, e a tese da “defesa das minorias”, “grupos LGBT”, “indígenas”, “negros”, “as cotas” – da ignorância, grifo meu -, a “defesa do meio-ambiente” – enquanto o Brasil tem seu grande salto no agronegócio -, a “educação”, a “economia” etc… E não é difícil bater o governo Bolsonaro em qualquer quesito. Mas é verdade, Lula – sempre em campanha – nunca sentou o facho para despachar no Planalto. Assim, o governo pode operar em algumas áreas. Mas não houve o primo de administração que muitos alegam, mas um primor em PROPAGANDA. Sem contar no amplo aparelhamento ideológico do estado, como em Bolsonaro, e apenas com diferentes matizes.
A questão é que o Lula viveu e vive em campanha, assim como o Bolsonaro. Ele é um político profissional, e sua obsessão doentia pelo poder tem uma qualificação no DSM-5, assim como no caso da tragédia mitológica em curso com Bolsonaro: psicopatas lutando pelo poder. E a questão central aqui é que “nunca antes na história deste país” se roubou tanto. Lula, assim como Bolsonaro, fez um tremendo acordo com as elites religiosas, políticas e privadas brasileiras: Edir Macedo, Malafaia, Sarney, Calheiros, Collor, Temer et al.; o banqueiro Henrique Meirelles é nomeado para presidir o Banco Central, e o Palocci – hoje presidiário – fica com o Ministério da Fazenda, para renunciar afundado em escândalos de corrupção. E aí? Já sabemos o que aconteceu, e podemos projetar o futuro; porque a história se repete, e está se repetindo aqui e agora…
Lula é então reeleito em 2006, e mergulhamos num turbilhão vertiginoso, no abismo sombrio da corrupção sistêmica. E é incrível que muitos aleguem que não houve corrupção, e que Lula não estava no comando desta operação. É exatamente o mesmo que negar o caos na saúde pública brasileira durante a pandemia, e que Bolsonaro não seja o principal responsável por isso.
Lula e Bolsonaro são de muitas formas duas faces da mesma moeda, da mesma sina fascista. Direita e esquerda? Mero truque de cena. Parafraseando Eduardo Galeano, o poder é como um violino, toma-se com a esquerda e toca-se com a direita. Toma-se o poder invocando alguma nota subversiva, para então conservá-lo com acordos. Por isso Lula e Bolsonaro são um mito siamês, o torneiro mecânico e o capitão. Mas eles dizem algumas verdades, poucas; como quando Lula disse que “se Jesus Cristo voltasse à terra e fosse governar o Brasil, teria que fazer um acordo com Judas”. É verdade, mas ele não disse toda a verdade. Afinal, Lula sempre fez parte desta prática, o presidencialismo de coalisão. Lula se locupletou fazendo acordos malcheirosos – como Bolsonaro. Aliás, a base e as coalizões de Lula e Bolsonaro são as mesmas. Ambos vivem do controle da Câmara e do Senado com o Centrão, das nomeações incestuosas na PGR, no STF, de influências no STJ, no MP e na PF. E jogam com as mesmas peças, e são parceiros em coalisão, e em crime.
É tão evidente que o Lula criou o Mensalão quanto é evidente que o Bolsonaro criou o esquema do orçamento secreto. Lula criou a “rachadaça”, distribuindo dinheiro público e benesses ilegais à deputados e senadores. Lula e o Zé Dirceu quiseram tomar o Brasil de assalto, exatamente como ambiciona Bolsonaro. Eles roubaram a Petrobras, saquearam o BNDES; portanto, são ladrões, são criminosos. Você pode invocar a falácia retórica conhecida por tu quoque – ou você também; i.e., todos são ladrões… não verdade? Não, não é verdade. Muitos são ladrões. Mas poucos tem a cara de pau de passar a vida alegando pureza de princípios e honestidade, como Maluf, Lula, e Bolsonaro; para então emergirem de um lamaçal de fatos e imundices. Virgens vestais, paladinos da moralidade, escudos anticorrupção… para então enfrentar o pântano fétido das provas e os inquéritos.
E aqueles que invocaram a suspeição de Moro e dos FATOS, na vã tentativa de canonizar Lula e Bolsonaro, pela falsa alegação de vício processual, trabalham com pesos e medidas bem viciados para descrever a realidade. Se houve abuso no exercício do juízo, no caso da Lava-Jato, isso não se compara em grau e tipificação criminosa com a avalanche de fatos que aí estão para quem quiser ver. Portanto, neste caso, “só enxerga quem é cego”. Só enxerga inocência em Lula e Bolsonaro quem não quer ou não pode ver – o que dá no mesmo. Parafraseando Saramago, cegos, e cegos sobre a própria cegueira.
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