Por Carlos Sherman
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Esse é um admirável mundo novo, e dito assim, sem o sarcasmo de Huxley (o Aldous)… E refiro-me à possibilidade de frequentar cursos de forma virtual nas melhores universidades e institutos do planeta. Assim, em março de 2020, logo no início da pandemia, eu estava às voltas com as atividades finais em um curso on-line sobre métodos analíticos avançados no MIT, quando estudamos algumas pandemias à partir dos dados do Imperial College London e do Instituto Abdil Latif Jameel – ou Institute for Disease and Emergency Analytics do Reino Unido. Acabei me matriculando e concluindo dois cursos com eles, Science Matters: Let’s Talk About Covid-19 e Health Systems and Economic Impacts; onde analisamos os modelos da primeira pandemia de SARS-CoV, além da MERS, e do letal Ebola, para projetar os números da SARS-CoV-2 – abreviado pela Organização Mundial de saúde para COVID-19. Chegamos à alarmantes 40 milhões de mortos na projeção da doença para o caso de não adotarmos medidas restritivas e isolamento social; por outro lado, respeitando as necessárias barreiras epidemiológicas, diminuiríamos drasticamente o impacto desta tragédia, que ainda acabaria por ceifar cerca 1,9 milhões de vidas…
Não fizemos nem uma coisa nem outra, e na verdade as respostas à pandemia foram heterogêneas, e em muitos casos absurdas – como no Brasil. As previsões do Imperial College estavam tetricamente corretas, mas infelizmente superaremos os 3 milhões de mortos, já que o mundo não tem respeitado as medidas epidemiológicas estabelecidas para o combate à essa pandemia; e considerando este ponto da história, em termos de demografia e concentração populacional urbana. Em dados atualizados ao dia de hoje, colhidos junto ao John Hopkins Coronavirus Resource Center, contamos mais de 2,6 milhões de vidas perdidas, enquanto o cenário se agrava rapidamente.
No inicio do século XX, a pandemia de gripe, ou Influenza, matou oficialmente cerca de 50 milhões de pessoas; mas hoje sabemos que este flagelo superou os 100 milhões de mortos em sua passagem devastadora, e sabemos ainda que não haviam dados e informações confiáveis sobre os números daquela pandemia à época. Não dispúnhamos também das admiráveis respostas científicas que hoje nos enchem de esperança, e provendo valiosas armas para a luta pela vida.
Vale lembrar ainda que aquela epidemia foi detectada primeiro nos Estados Unidos, durante a Primeira Grande Guerra; tendo sido acobertado pelas autoridades, até ser desvelada ao mundo pela Espanha – que finalmente teria o seu gentilício ligado à epidemia. E o próprio avô do ex-presidente Trump morreria da doença, apesar da insistência de seu neto em minimizar o efeito da nova pandemia… para finalmente curvar-se aos números, que catapultaram os Estados Unidos ao topo de uma funesta lista.
Os vírus habitam a terra bem antes de nós, e aqui estarão quando o último humano puder considerar com pesar os seus últimos momentos. Hoje, dispomos da Biologia Molecular, da Ciência Médica… e dos métodos estatísticos e os modelos analíticos, que nos permitem analisar correlação e causação… em uma maravilhosa e nova realidade. Mas a mente humana é antiga, e nem todos percebem as benesses deste tempo de conhecimento – ou scientia, do latim.
ENTENDA A LINHA DO TEMPO NA COVID19
A falta de unanimidade em relação à ciência tem obliterado as informações confiáveis, e produzido muita desinformação, que contribuem para muitas mortes mais… E este artigo tem como objetivo esclarecer sobre a linha do tempo da COVID, além de estabelecer as bases para entender a doenças e interpretar os diferentes tipos de exames laboratoriais.
Como a sintomatologia da doença, assim como a resposta imunológica, dependem diretamente da genética e saúde de cada indivíduo, além de seu histórico imunológico e exposição à outras viroses, as informações apresentadas são de caráter referencial.
Conforme podemos notar no gráfico que acompanha este texto, o período de incubação da doença varia de uma à duas semanas, e onde os sintomas serão notados, conforme a carga viral sobe. Este vírus, assim como tantos outros, opera infectando principalmente as vias respiratórias, e depende de sua capacidade de entrar no núcleo de nossas células para sua multiplicação.
Com a elevação da carga viral em nosso organismo, pela multiplicação do vírus em nossas células, eleva-se também a chance de contaminar outras pessoas, ou taxa de transmissão, ou ainda transmissibilidade. Esta é também a fase aguda da doença. Neste ponto estabelece-se um divisor de águas, entre a resposta eficiente do organismo, e a progressão para uma condição que exija cuidados especiais e eventualmente intensivos.
A resposta imunológica vem na forma de anticorpos, ou imunoglobulinas, proteínas protetoras contra agentes infecciosos. De forma simplificada, podemos dizer ainda que a primeira reação do organismo vem na forma de anticorpos mais genéricos, ou imunoglobulina tipo M, ou apenas IgM. Assim, a carga viral é estabilizada, e o vírus começa então a ceder. Em seguida, chega a “cavalaria”, ou IgG, e o destino do vírus estará selado. Os níveis da proteína IgM no sangue sobem aproximadamente duas semanas após o contágio, e uma semana após os sintomas, e decaem enquanto o IgG sobe; o que ocorre em uma ou duas semanas mais. A IgG é a classe de anticorpos mais numerosa no sangue, e destacará unidades de elite com combatentes especializados no SARS-CoV-2. Outros tipos de anticorpos participam da ação, mas a descrição de suas funções está além dos objetivos deste artigo.
Hoje sabemos que o contato pregresso com outros vírus do tipo “corona” – ou que possuem uma coroa – pode contribuir em agilizar este combate, debelando a doença e funcionando como um tipo de imunidade cruzada. Isso explicaria porque algumas populações seriam mais ou menos suscetíveis ao vírus. Mas é certo que a concentração populacional é o principal elemento no contágio, já que estamos falando em organismos minúsculos, mediando em média 100 nanômetros de diâmetro, 2.000 vezes menor do que um ácaro (e.g.). Portanto, em microbiologia, tamanho é documento… Quanto menor, mais contagioso.
Isso nos leva à outra questão, o contágio, que se dá por meio de perdigotos, gotículas com carga viral, cujo diâmetro pode variar de 5 a 200 micrômetros. As gotículas balísticas de maior diâmetro não viajam muito mais do que 1 metro; mas as gotículas atomizadas, na forma de aerossóis, viaja livremente pelo ar, e possuem dimensão próxima de 5 micrômetros. Podem alcançar quilômetros, mas de forma dispersa.
A Nature e a OMS confirmaram recentemente, e por meio da publicação de estudos conclusivos, que os aerossóis representam o maior risco ao contágio, principalmente em ambientes fechados, principalmente onde existem sistemas de ar-condicional, ou sujeitos a ventilação forçada, que facilita a propagação dos vírus. A exceção vem dos eficientes sistemas de circulação de ar e aos filtros de aviões, tipo HEPA (High Efficiency Particulate Arrestance), que representa uma verdadeira barreira microbiológica.
De acordo artigo The New York Times e estudos da NASA, essa tecnologia é capaz de eliminar os perdigotos que carregam o SARS-CoV-2 com uma eficiência de 99.97%, tornando o transporte aéreo o mais seguro em tempos pandêmicos… Mas a instrução clara é de não programar viagens e de não utilizar transportes públicos.
Conversei no dia de hoje com o cientista brasileiro Carlos Frederico Coimbra, meu amigo de faculdade na UnB em Brasília, e hoje na Universidade da Califórnia, campus San Diego; ele esclarece que:
Máscaras não são usadas para bloquear um vírus, e sim para bloquear gotículas (perdigotos) que contém milhares ou milhões de vírus, e que têm diâmetros entre 5 e 200 micrometros. A eficiência de máscaras em bloquear gotículas – a verdadeira forma de transmissão -, mesmo as de tecido, caseiras, é altíssima.
Coimbra é coautor de uma obra clássica na mecânica, relacionada à transferência de massa e calor, e que agora traz um suplemento especial dedicado à COVID-19, prestando um serviço de utilidade pública da maior relevância. É a ciência, sempre trabalhando à favor da vida.
ENTENDA OS TIPOS DE EXAMES E SEUS RESULTADOS
Quando o IgG termina o seu trabalho, entre a quarta e quinta semana, os níveis permanecerão altos no sangue, e a carga de anticorpos poderá ser medida em exames sorológicos do tipo quantitativo in vitro, ou quimiluminescência (CLIA). Estaremos imunes com níveis superiores à 1,4 UA/mL. Até o presente momento, não podemos precisar a duração desta imunidade, já que isso depende de cada organismo. Baseados em viroses similares, um artigo da Nature estima a imunidade entre 3 e 6 anos, tempo durante o qual os níveis de IgG decairão.
Recomendo fortemente que não sejam utilizados testes sorológicos do tipo rápido. Estes testes produzem enorme confusão, e seus resultados possuem uma acurácia baixíssima. Considero que estes testes não deveriam existir, sendo um contrassenso, já que produzem falsos resultados com muito mais frequência do que acertam. Os exames sorológicos convencionais possuem especificidade e sensibilidade acima de 95%, muito embora a qualidade de cada laboratório varia muito, interferindo nesta acuracidade.
O exame consagrado para detecção da presença do vírus no organismo, detectável em sua fase aguda, é o RT-PCR, com coleta através por meio de swab – ou cotonete -, colhida na região da nasofaringe. Este teste determina diretamente o material genético do vírus (RNA). Mas uma vez devo condenar o atalho dos testes rápidos, que trazem desinformação e confusão.
COMO INTERPRETAR OS RESULTADOS DOS DIFERENTES TIPOS DE EXAMES?
O RT-PCR positivo para a COVID-19 significa que você está contaminado, e se encontra na fase aguda da doença. Vale notar que um resultado negativo não descarta a possibilidade de estar contaminado, mas a carga viral ainda não chegou à níveis detectáveis; ou o vírus está presente, em níveis igualmente baixos, mas descendentes, e enquanto o organismo se recupera. Os riscos de transmissão neste caso são menores, mas existem.
O sorológico reagente, i.e., em níveis elevados para IgM e/ou IgG, nos coloca necessariamente no caminho da infecção, mas em momentos distintos. IgM reagente e IgG não-reagente, indica que estamos no pico da doença, e no início da resposta imunológica. IgM e IgG reagentes, indica que estamos no pico da luta. IgM não-reagente e IgG-reagente, significa que o vírus foi debelado, e que você está imunizado.
É muito importante reforçar que existe uma cronologia lógica, de forma que qualquer anormalidade no comportamento e nos resultados do exame que não siga uma linha igualmente lógica no tempo, respeitando os pontos de detecção, seja por exames do tipo PCR ou sorológicos, deve alertá-lo para a repetição dos exames, e preferencialmente em outros laboratórios.
QUANDO FAZER OS EXAMES
Entendo as questões de ordem econômica, mas não existe trade-off entre saúde e finanças. Aliás, não existe nada mais caro do que internações em unidades de tratamento intensivo, e nada mais caro do que a morte. Não existem, de fato, duas opções, como insiste Bolsonaro. E, contrariando o Rubens Novaes, presidente demissionário do Banco do Brasil, nada vale mais do que a vida. Não existe saúde econômica na doença ou na morte. Dito isso, recomendo também que não economizemos em exames e diagnósticos.
Diante do gatilho dos sintomas, devemos proceder os dois exames, o RT-PCR e o sorológico quantitativo, e sempre em laboratórios de qualidade comprovada. Sugiro evitar a rede pública, sempre que possível, em função do risco. Também sugiro que sempre façamos os dois exames simultaneamente para otimizar os deslocamentos aos laboratórios… onde, via de regra, pessoas sintomáticas procuram elucidar a causa de seus sintomas, e algumas estarão realmente infectadas.
A associação entre RT-PCR e sorológico nos permite estabelecer infecção e cronologia. Se o RT-PCR é positivo para a COVID, ainda poderemos conhecer o estágio através do sorológico, que mede as respostas do organismo. Em caso negativo para o RT-PCR teremos a possibilidade de examinar o passado… E isso também vale para a recuperação e convalescença da doença, onde o PCR será negativo, mas o IgG será reagente no sorológico.
Enfim, não economize em exames para a COVID-19, e sempre associe o RT-PCR com o sorológico!
NÃO EXISTEM DOIS SISTEMAS IMUNOLÓGICOS IDÊNTICOS
Observe que as vacinas dependem do sistema imunológico, já que conferem imunidade indireta. Por isso é tão difícil garantir imunidade vacinal, porque dependeremos sempre da resposta de seu sistema imunológico. Da mesma forma, grosso-modo, podemos dizer que a letalidade também é causada por nosso próprio sistema imunológico. Não morremos diretamente de COVID, mas em função de complicações mecânicas, já que o nosso sistema imunológico reage ao agressor enviando anticorpos, e para isso aumenta o calibre das vias de acesso em nosso sistema circulatório, provocando a inflamação, que termina por comprometer a nossa capacidade respiratória. Dai a necessidade de respiradores mecânicos, para vencer esta perda de carga e assegurar a oxigenação de nosso sangue… medida por oxímetros.
Cada organismo reage de uma forma, e com uma intensidade, seja no combate à doença, seja na resposta imunizante da vacinação.
ESTOU IMUNE, E AGORA?
Se os níveis de IgG em seu sangue estão acima de 1,4 UA/mL, você pode celebrar, mas seja discreto… e lembre-se daqueles que ainda estão à mercê da doença. Um resultado reagente pode significar anticorpos específicos para a SARS-CoV-2, ou para outro vírus da família Corona. A primeira ação neste caso é repetir o sorológico em outro laboratório, sempre atento à qualidade demonstrada pelo estabelecimento. E você deve continuar a se proteger, já que poderá ser infectado pelo vírus novamente, além do risco de “leva e traz”, levando a infecção à outras pessoas; e esse seria um papel deplorável e desumano.
Lembre-se que a infecção é mecânica, ou seja, aerossóis de carga viral entrando por meio de suas vias respiratórias, de forma que imunidade não impede o contágio. Evidentemente a transmissibilidade será diminuída, já que a carga viral não alcançará níveis tão elevados em seu sangue. Então, mantenha os cuidados, de forma inalterada. Você está mais protegido, mas as outras pessoas continuam vulneráveis.
Outra questão importante a ser respondida aqui é: Quem já teve COVID-19 e está imunizado precisa tomar a vacina? Sim, com certeza, já que será uma oportunidade de ouro para o organismo aprimorar suas respostas e aumentar a carga de anticorpos. Receber uma vacina com carga viral, estando este vírus inativado, é um tremendo estímulo, e sem riscos.
SOBRE AS MUTAÇÕES E O FUTURO?
A COVID-19 definitivamente viverá entre nós… assim como ocorre com a Influenza. As campanhas de vacinação contra a COVID farão parte de nossa agenda ordinária de vacinações. As mutações virão, sendo o vírus um organismo extremamente primitivo, um tramo de RNA, sem organização interna, sem núcleo, sem o DNA e seus mecanismos autocorretivos… de forma que as mutações fazem parte da vida de um vírus, e de suas chances de sobreviver.
As variantes dentro da família Corona devem respeitar certa previsibilidade e, saindo deste rol, estaríamos falando de outra família viral, e essa seria uma outra estória. Por fim, deixo uma mensagem de esperança no conhecimento, em um adágio anônimo:
É sempre melhor acender uma luz do que praguejar contra a escuridão.
Concluo, afirmando que não dispomos de nenhuma outra forma de prevenir a contaminação pelo vírus na COVID-19 senão pelo:
- ISOLAMENTEO SOCIAL;
- USO OSTENSIVO DE MÁSCARAS.
E nada é maior importante do que a VACINAÇÃO! Vacine-se quando chegue a sua vez… e vacine-se agora contra a ignorância.
SOBRE MINHA PLATAFORMA DE CONHECIMENTO:
Visitem a minha plataforma de conhecimento, site e redes sociais. Conto com o seu apoio, e por favor inscrevam-se, ativem os sininhos, comentem, curtam, apoiem… Eu e a minha equipe trabalhamos com afinco para servi-lo, e contribuir com um pouco mais de clareza sobre a vastidão, reduzindo o sofrimento humano pela alavanca do conhecimento.
Esta publicação faz parte de meus canais dentro da plataforma de conhecimento, a citar: ComSCIENTIA e SHERMAN|MissãoSARS-Cov-2. Também abordarei a questão da pandemia em outros canais com enfoque econômico e político: SHERMAN|TheEconomist, SHERMAN|Protagonista.
Arte do Artigo: Carlos Sherman
Literatura e principais fontes: Imperial College London; Instituto Abdil Latif Jameel, Institute for Disease and Emergency Analytics; Johns Hopkins Coronavirus Resource Center; Nature; The Lancet; Albert Einstein, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa, Centro de Educação em Saúde Abram Szajman; Carlos Eduardo Coimbra, University of California, San Diego.
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