Por Carlos Sherman
O que define o nosso comportamento? Será a Genética? O meio? Será a influência de ambos? Como a Genética Comportamental opera? Como o meio – ou o contexto – opera? Este artigo investiga essas e outras questões do senso comum à luz das Neurociências
O engraçado da Ética (bom, talvez não seja tão engraçado) é que as pessoas se interessam muito mais por ela quando as coisas vão mal do que quando vão bem. Essa é a razão, desde já, pela qual as crianças reclamam “não é justo”, não quando lhes servimos o maior pedaço de torta, senão quando a bola bate na trave no futebol, ou bate contra a rede no tênis, ou também quando não são capazes de fazer o dever de casa.
(‘101 Dilemas Éticos’, p. 17, 2012)
A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciências que podem ser chamadas “ciências conforme a nossa vontade”. Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento.
Francis Bacon
(‘Novum organon’; 1620)
Bobby Jones (1902-1971) foi um HOMEM e não uma lenda – como afirmam os aficionados pelo Golfe. Um Homem como poucos. Jones foi REAL, coerente, vitorioso, e verdadeiramente virtuoso – na saúde e na doença. Jones fez um bom dinheiro como jogador, e abandonou o esporte prematuramente e no auge de sua carreira, aos 28 anos de idade. Também construiu uma linda família, e sua vida é merecidamente retratada no filme: ‘Stroke of a Genius’ – ou ‘Tacada de um Gênio’.
Enquanto era sagrado como o primeiro golfista a vencer o Grand Slam – termo criado para descrever a magnitude de sua façanha em vencer todos os torneios na categoria ‘the majors’ no intervalo de um ano -, Jones se graduou em Engenharia Mecânica pela Georgia Tech – jogando pelo time de golfe da Universidade – em seguida estudou Inglês e Literatura em Harvard, para finalmente estudar Direito na Universidade de Emory; onde, após três semestres, foi aprovado no equivalente ao exame da ‘OAB’ para advogar no Estado da Geórgia, fixando-se finalmente na carreira advocatícia e trabalhando no escritório de seu pai em Atlanta – Jones, Evins, Moore e Powell.
No transcurso de sua curta carreira no Golfe, venceria nada menos do que 04 torneios ‘US Open’ e 03 torneios ‘The Open Championship’. Mas ele não foi apenas um jogador qualificado, consagrado e um caso ‘consumado’ pelo Golfe; Jones foi também um exemplo de princípios desportivos e, sobretudo, ÉTICOS!
Na primeira rodada do Aberto dos EUA em 1925 – disputada no Worcester Country Club, perto de Boston -, o seu ‘aproach‘ para o ‘green‘ no ‘buraco 11’ – que era elevado – saiu curto, e a sua bola ficou alojada em uma posição complicada. Jones estava preparando o seu ‘pitch‘ quando a cabeça do taco roçou na grama, provocando um leve e ‘imperceptível’ movimento na bola. Ele efetuou o ‘swing‘ com sucesso, e imediatamente após a jogada comunicou o ocorrido ao seu parceiro de jogo, Walter Hagen, e ao funcionário USGA, solicitando que lhe fosse aplicada uma penalidade.
Após a partida, antes que ele assinasse o seu ‘scorecard‘, os juízes do USGA discutiram com Jones tentando dissuadi-lo da auto-punição, afinal não viam razão para aplicar a penalidade, tendo sido um gesto involuntário, sem interferência alguma no resultado da partida. Mas ele insistiu que havia violado ‘a regra 18’ – ‘Bola em Repouso Deslocada’; sendo assim, a sua pontuação foi de ’77’ ao invés de ’76’.
A penalidade auto-imposta por Jones foi suficiente para que ele não vencesse o torneio na ocasião, levando a um ‘play-off‘ no qual ele resultou perdedor. Os organizadores do torneio fizeram uma menção honrosa a Jones na entrega dos prêmios, ao que ele respondeu:
Que besteira! Então vocês precisarão elogiar também qualquer homem que não tenha roubado um banco.
Um caso similar ocorreria no seguinte Aberto dos Estados Unidos, disputado no Scioto Country Club, em Columbus, Ohio. Na segunda rodada, após terminar a primeira rodada em segundo lugar, Jones estava preparando o ‘putter‘ no ‘green‘ do buraco 15, e com um vento muito forte em seu rosto. Quando Jones posicionou o taco a bola girou com o vento e tocou o taco. Novamente ninguém percebeu o ocorrido, mas a consciência de Jones estava à postos. Mais uma vez Jones acusou o que considerava uma infração e foi penalizado; mas desta vez, e mesmo assim, ganhou o segundo de seus quatro troféus do US Open. Por essas e outras razões, o prêmio da USGA foi batizado como ‘Troféu Bobby Jones’ em homenagem não apenas as feitos esportivos, mas pelos seguidos exemplos de conduta Ética.
Em 1948, aos 46 anos, Bobby desenvolveu uma ‘Siringomielia’ – patologia de evolução crônica caracterizada pela degeneração do sistema nervoso, e culminando no acúmulo de líquido no interior da medula espinhal, causando muita dor e finalmente levando à paralisia. Jones encarou com bom humor o confinamento à uma cadeira de rodas. Em Janeiro de 1953, três meses após um ataque cardíaco, Jones foi homenageado no Golf House, sede da Associação de Golfe dos Estados Unidos – USGA -, em Manhattan. Um dos destaques da cerimônia foi o discurso do presidente americano, amigo de Bobby, Dwight D. Eisenhower:
Aqueles que tiveram a sorte de conhecê-lo, e perceber que a sua fama como um golfista foi transcendida por suas qualidades inestimáveis como um ser humano […]. Os prêmios vão para os seus amigos, o calor que vem do seu legítimo altruísmo, do soberbo julgamento, da nobreza de caráter e da inabalável fidelidade aos princípios.
Bobby Jones apenas ouviu e chorou…
Os ‘carts‘ no Damha Golf Club, ao qual sinto orgulho de estar associado, são batizados com nomes de personagens famosos na história do Golfe. Sempre que opto por utilizar um ‘cart‘, trato de procurar pelo ‘Bobby Jones’, e sinto uma sensação diferente, como se endossasse a história construída por este exemplo para a humanidade. Pequenos gestos que demonstram uma gigantesca estatura. Em uma destas oportunidades, durante um torneio amador, à bordo do ‘Bobby’, fui solapado por um pensamento que explodiu em minha cabeça, e que registrei nas costas do meu ‘score card’:
Ética é manter a coerência quando não existem testemunhas… E coerência é o alinhamento entre o que se pensa, se diz e se faz…
Mas a ‘Ética’, a atitude ética, evidentemente não é privilégio do Golf Club; está nas ruas, na distribuição da ‘honestidade’ e da ‘desonestidade’, e os mesmos cidadãos que clamam por ‘lisura’, são flagrados em pesquisas de campo ‘roubando’ dinheiro de quem deixa cair na rua, e protagonizando os mesmos atos de oportunismo desonesto que praticariam se fossem investidos de ainda mais poder.
Ontem, a televisão mostrou uma pesquisa de campo onde dez pessoas foram flagradas por câmeras, enquanto um ator deixava cair um pequeno maço de dinheiro com notas de pequeno valor. 100% dos candidatos devolveram o dinheiro e me senti comovido. Em seguida, o maço aumentou, e o valor das notas passaram a R$ 100,00; e diante deste novo desafio, quatro pessoas passaram a mão na grana, o que corresponde a 40% deste grupo, 40% em ‘desonestidade’ – 2 homens e duas mulheres. Um senhor idoso, ao perceber o maço de dinheiro, e enquanto um transeunte que falava ao celular tentava em vão sinalizar para a ‘vítima’, correu para apanhar a grana, evadindo-se da ‘cena do crime’ como um ‘rato’. Se ao invés de um maço de notas de R$100,00 colocássemos uma maleta de dinheiro, qual seria o resultado?
Em 1992, portanto, há vinte e um anos atrás, um programa de televisão chamado ‘Você Decide’ analisou esta questão. Um drama era encenado, um homem sentava-se ao lado de um senhor com uma maleta de dinheiro durante um voo, e este senhor vinha a falecer em pleno voo. Vendo a oportunidade de ficar com a maleta o outro homem não hesita. Neste ponto do programa, a votação considerava incorreto permanecer com a maleta, respondendo ‘não’ à enquete ao vivo, mas com uma porcentagem bem equilibrada entre ‘sim’ e ‘não’.
O drama segue, e o homem mostra a maleta para a sua família que deseja ficar com a grana, afinal muitos problemas que enfrentavam, comuns à realidade da classe média baixa, poderiam ser resolvidos. Comovidos com o drama familiar, os expectadores mudam o viés para o ‘sim’; ou seja, ele deve ficar com a grana.
Mas o homem se dá conta de que o dinheiro pertence à um abrigo de crianças de rua, e o público muda mais uma vez a sua decisão, com um acentuado viés de alta para o ‘não’. O homem decide então visitar o abrigo, e logo na entrada é ameaçado por um menor infrator, e como resultado deste diálogo o viés moral se inverte novamente, e o programa termina com 67% de expectadores votando a favor do ‘sim’; i.e., o homem deve ‘roubar’ a maleta.
Existe uma distribuição genética para a ambição, e existe uma distribuição de caráter aprendido para a ação inescrupulosa. Estes humanos ambiciosos podem redundar em meros usurpadores, mas podem contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade, ou até mesmo de toda a humanidade. De certa forma, parte deste grupo ‘fominha’, os empreendedores, os empresários gananciosos, produzem alavancagem pela ambição, e quando moderados pelo sistema, impulsionam o desenvolvimento.
Vide a História de Vanderbilt, Carnegie, Rockfeller, pobres e empreendedores, que se tornaram ricos, poderosos e inescrupulosos, mudando para sempre o curso da História – ‘positivamente’. Impulsionaram o mundo moderno, mas no final de suas vidas foram levados aos tribunais, como resposta do sistema. Temos que estudar, conhecer a História, e o comportamento humano, para abandonar com segurança a ‘vitimologia’. Esta é a recomendação ‘cética’.
E existem os ‘cleptocratas’, aqueles que só pensam em esquemas, em negociatas, em grana, e no controle do poder como fim em si mesmo. Este espécime não produz nada senão dolo. Este tipo de homem será sempre atraído pelo caminho mais fácil até a grana, sem escrúpulos. Igrejas e Órgãos Públicos estão infestados deste tipo de homem, EM TODO O MUNDO – rigorosamente… Este é um fenômeno humano; e, se estamos progredindo, então significa que não se trata de um fenômeno ‘majoritário’.
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