Por Carlos Sherman
Um amigo publicou que,
No processo de seleção da Volkswagen do Brasil, os candidatos deveriam responder a seguinte pergunta: ‘Você tem experiência’?
Segundo o e-mail, ‘A redação abaixo foi desenvolvida por um dos candidatos. Ele teria sido aprovado, e seu texto está fazendo sucesso… alegando que “com certeza ele será sempre lembrado por sua criatividade, sua poesia, e acima de tudo por sua alma” – seja lá o que isso realmente signifique…
Eis a Redação que foi publicada como “Vencedora” – onde tudo me cheira a really fake:
Já fiz cosquinha na minha irmã pra ela parar de chorar.
Já me queimei brincando com vela.
Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto.
Já conversei com o espelho, e até já brinquei de ser bruxo.
Já quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista.
Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora.
Já passei trote por telefone.
Já tomei banho de chuva e acabei me viciando.
Já roubei beijo.
Já confundi sentimentos.
Peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido.
Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro.
Já me cortei fazendo a barba apressado.
Já chorei ouvindo música no ônibus.
Já tentei esquecer algumas pessoas, mas descobri que eram as mais difíceis de esquecer.
Já subi escondido no telhado pra tentar pegar estrelas.
Já subi em árvore pra roubar fruta.
Já caí da escada de bunda.
Já fiz juras eternas.
Já escrevi no muro da escola…
Já chorei sentado no chão do banheiro.
Já fugi de casa pra sempre, e voltei no outro instante.
Já corri pra não deixar alguém chorando.
Já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só.
Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado.
Já me joguei na piscina sem vontade de voltar.
Já bebi uísque até sentir dormente os meus lábios.
Já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar.
Já senti medo do escuro, já tremi de nervoso.
Já quase morri de amor, mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial.
Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar.
Já apostei em correr descalço na rua,
Já gritei de felicidade,
Já roubei rosas num enorme jardim.
Já me apaixonei e achei que era para sempre, mas sempre era um ‘para sempre’ pela metade.
Já deitei na grama de madrugada e vi a Lua virar Sol.
Já chorei por ver amigos partindo, mas descobri que logo chegam novos, e a vida é mesmo um ir e vir sem razão.
Foram tantas coisas feitas.
Tantos momentos fotografados pelas lentes da emoção e guardados num baú, chamado coração.
E agora um formulário me interroga, me encosta na parede e grita:
‘Qual sua experiência?’.
Essa pergunta ecoa no meu cérebro: experiência… experiência…
Será que ser ‘plantador de sorrisos’ é uma boa experiência?
Sonhos!!! Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!
Agora gostaria de indagar uma pequena coisa para quem formulou esta pergunta: Experiência?
“Quem a tem, se ha todo o momento tudo se renova?”
Comentei:
Amigo,
Belas palavras… Em princípio parecem belas palavras, belas alusões, mas na verdade não passa de um discurso piegas e verborrágico… do tipo que vai do nada a lugar algum… e dizendo muita coisa para não dizer absolutamente NADA…
Sim, a experiência se renova, aumenta, é cumulativa… ou nem sequer começou… Depende, depende de quanto tempo teve para “experimentar” alguma coisa… Qual a sua experiência como astronauta? Mas vosso dileto escritor/poeta tem alguma – como astronauta, rsrsrs…
Ter ‘mais ou menos experiência sobre um dado tema’, qual o problema com isso? Ter experimentado um alimento, visitado um lugar, trabalhado em uma determinada área… E? Qual o problema? É absolutamente natural, e sim, procede, ‘qual a sua experiência SOBRE?’… E a experiência cresce, e pode ser aprofundada, em grau e abrangência… E qual é o problema?
Nenhum formulário que se preste a algum objetivo concreto, jamais perguntou no vazio: ‘qual a sua experiência?’… E é aí que o formulário, ou o teste da Volkswagen do Brasil, ou quem quer que o tenha preparado, demonstra a mais completa falta de experiência em avaliar pessoas… Se é que isso realmente existiu… o que considero pouco provável, por minha EXPERIÊNCIA com falsidade… ‘Qual a sua experiência?’ e pronto, é como você perguntar ‘qual o seu gosto?’… Mas, ‘sobre o que estamos falando’? Gosto musical, vinhos, mulheres, carros? Ou ‘qual o seu conhecimento?’… Mas conhecimento sobre o que? Exatamente… Perguntamos sempre ‘qual a sua experiência na área administrativa’ ou na área A, B ou C… Ou ‘qual a sua experiência no sistema A, B, C’…
Duplo homicídio, a Volkswagen do Brasil abre o palco para a verborragia desfilar…
Redação típica, verborragia em ação, vai do nada ao lugar algum, passando por lugares comuns… Relativizando um tema que não aceita e nem requer relativização… Embora a pergunta em si, se existiu, tenha sido forçada, em vacuidade e vazio… Criatividade, talvez; objetividade, ZERO… Traço poético, não sei, conteúdo, pífio…
Depois o papo de “alma”… E qual é a sua experiência sobre isso? Rsrsrsrsr… Criatividade e poesia sem conteúdo é puro desperdício de tempo… Do tempo dele, do seu, e do meu… Cansei da hipocrisia do non-sense como fim em si mesmo, recebendo a alcunha de poesia, e recebendo aplausos… Cansei da dissimulação de quem não tem o que dizer, mas insiste em dizê-lo… Cansei da incapacidade de quem pergunta, e da incapacidade de quem julga… Cansei…
Perdão pelo aparente amargor, rsrsrsrs, mas não é isso… Apenas aprendi a farejar lugares comuns, verborragias, e texto de relativização geral sobre o nada… Também aprendi nos textos de auto-ajuda sobre o auto-engano… Auto-ajudem-se, urgentemente… Ninguém parece saber nada sobre nada…
A dramaticidade usada no momento errado, sem motivos, gratuita, sentimentalista: “e agora um formulário me encosta na parede e grita: qual é a sua experiência?”… Putz, que bobeira, que manipulação, e que saída pela tangente… covarde, desonesta… E isso é tratado como genial, ‘ganhador’ de um concurso de redações… Sentimentalismo é a palavra de ordem… Auto-ajuda e verborragia são os acompanhamentos… Não existe verdadeira sensibilidade ou percepção em nada… Não perece existir…
Mas, assim caminha a humanidade… Evidentemente, existem ‘problemas e problemas’, e este é só um pequeno exemplo de um grande problema de nosso tempo: a superficialidade… Tudo parece efêmero e descompromissado – e o deboche rola solto… Descompromisso com a verdade… Ou trata-se apenas de uma redação que recebeu nota máxima em um concurso, e que não passaria na minha nota mínima… Ou talvez, esteja tão boquiaberto com tanta tolice, que descarreguei a minha estupefação no pobre ‘escritor’ que assina esta redação…
Um forte abraço…
Carlos Sherman,
O Desmistificador…
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