Por Carlos Sherman
A Sociologia pode estar fundada sobre equívocos – severos equívocos -, transformados em dogmas donde se pode, metaforicamente, falar em uma ‘Teologia do Social’… Lamento dizê-lo… A sociologia vê no comportamento humano, o mesmo complexo de equívocos que levou crentes a afirmarem que as doenças – todas – eram causadas por possessão demoníaca… Desconhecimento, moralismo, crenças infundadas… Não, doenças não são, e nunca foram, causadas por possessão demoníaca; e aliás, não existem demônios, a não ser aqueles que fantasiamos… Pois os ditos sociólogos de ontem e de hoje, hão querido demonstrar que todos os males advém de um único Leviatã: o Capitalismo… O Capitalismo adquiriu na Teologia do Social contornos demoníacos, intencionais, malignos…
Longe do idealismo positivista de Augusto Comte, que cunhou em 1838 o termo Sociologie, os sociólogos trataram de entrincheirar-se de forma politeísta, mas severamente dogmática, em torno de Karl Marx (1818-1883) e o seu panteão – Lenin, Fidel, Guevara, Platão, Aristóteles, Rousseau, Engels, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro et cetera -; sujeitos a uma espécie de ‘Santíssima Trindade’ do comportamento social: 1. A Doutrina da Tábula Rasa; 2. A Doutrina do Bom Selvagem; 3. A Doutrina do Fantasma na Máquina [Dualidade Corpo-Mente (Razão e Sensibilidade)]…
1. A Doutrina da Tábula Rasa:
“O homem é, em sua essência, produto do meio”- que Karl Marx tomou emprestado a Rousseau, que por sua vez tomou emprestado a Locke, que por sua vez revisitou a Platão… O termo Tábula Rasa, de origem medieval, é comumente atribuído a John Locke (1632-1704), no sentido de que o homem é uma folha em branco, onde a experiência tratará de escrever a sua história e nortear o seu comportamento:
“Suponhamos, pois, que a mente seja, como dizemos, um papel em branco, totalmente desprovido de caracteres, sem ideias quaisquer que sejam. Como ela vem a ser preenchida? De onde provém a vasta provisão que a diligente e ilimitada imaginação do homem nela pintou com uma variedade quase infinita? De onde lhe vêm todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, em uma única palavra: EXPERIÊNCIA.”
Esta célebre passagem do “Ensaio acerca do entendimento humano”, embora sedutora, está retumbantemente equivocada… Lamento informar… Mas Locke mirou em outras questões essenciais, obtendo importantes avanços, como o questionamento da autoridade da Igreja e o direito divino dos reis, assim como da realeza hereditária, e da escravidão; e isso a partir da ideia de que como o comportamento vem diretamente da experiência, sendo que experiências e histórias de vida diferentes, produzirão pensamentos e comportamentos diferentes… Durante os séculos XIX e XX, a doutrina da Tábula Rasa deu o tom de boa parte das Ciências Humanas e – sobretudo – Sociais…
Enquanto as Ciências Humanas já revisaram seus postulados e paradigmas, as ditas Ciências Sociais, em seus vieses sociais, políticos, econômicos e psicológicos, teimam em limitar o homem à doutrina da Tábula Rasa, como uma Sagrada Escritura… O ser humano, seu comportamento – e seus desdobramentos emocionais, sexuais, relacionamentos, associações, ambições econômicas e políticas – é entendido como ‘socialmente construído’… A Sociologia foi erigida sobre fundamentos equivocados…
Enquanto as Ciências Humanas já revisaram seus postulados e paradigmas, as ditas Ciências Sociais, em seus vieses sociais, políticos, econômicos e psicológicos, teimam em limitar o homem à doutrina da Tábula Rasa, como uma Sagrada Escritura… O ser humano, seu comportamento – e seus desdobramentos emocionais, sexuais, relacionamentos, associações, ambições econômicas e políticas – é entendido como ‘socialmente construído’… A Sociologia foi erigida sobre fundamentos equivocados…
2. A Doutrina do Bom Selvagem:
“Sou tão livre quanto o primeiro homem da Natureza, antes de começarem as ignóbeis leis da servidão, quando o nobre selvagem corria solto nas florestas.” – John Dryden (1670, peça “A Conquista de Granada”)… Esta citação é comumente – e equivocadamente – atribuída a Rousseau…
O conceito do “bom selvagem” foi originado no período colonial, e emergiu do contato entre europeus e povos indígenas e primitivos – na África, América e Oceania -, e da crença de que os seres humanos – em seu estado ‘natural’ – são altruístas, pacíficos, serenos… A ganância e a violência nascem com a sociedade… Jean-Jacques Rousseau foi o grande defensor desta tese – teológica… Rousseau só não pôde explicar porque o nosso passado selvagem nos levou à sociedade… Por que não nos mantivemos selvagens? Mas seria esperar muito de um homem que postulava tais “leis” sentado em sua escrivaninha, e sem a menor ideia da natureza humana, muito embora, tenha ousado descrevê-la… E muitos, até hoje, teimam em idolatrá-lo… Karl Marx foi um destes homens, e que literalmente copiou as ideias – equivocadas – de Rousseau, alterando alguns aspectos, para cunhar o seu próprio nome na história… Muitos mais viriam para seguir a Rousseau, antes de depois de Marx, e assim caminha a humanidade, de equívoco em equívoco, de idolatria em idolatria…
Em 1755 Rousseau escreveria:
“Muitos autores precipitaram-se a concluir que o homem é naturalmente cruel e requer um sistema de polícia regular para regenerar-se, porém nada pode ser mais manso do que ele em seu estado primitivo, quando posto pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e pernicioso bom senso do homem civilizado (…) Quanto mais refletimos sobre este estado, mais convencidos ficaremos de que era o menos sujeito de todos a revoluções, o melhor para homem, e que nada poderia ter arrancado disso o homem a não ser algum fatal acidente, o qual, pelo bem público, nunca deveria ter acontecido. O exemplo dos selvagens, que em sua maioria foram encontrados nessa condição, parece confirmar que a humanidade foi formada para manter-se sempre nela, que essa condição é a verdadeira juventude do mundo, e que todos os progressos ulteriores foram muitos passos aparentemente em direção à perfeição dos indivíduos, mas de fato no caminho da decrepitude da espécie.” –amém…
Não Rousseau, a história, a saga humana é um processo contínuo… Tal visão é infantil, limitada, sob todos os aspectos – antropológicos, genéticos, evolutivos, neurofisiológicos… Rousseau não estava em condições de considerar todas estas questões relativas ao conjunto cumulativo de conhecimento científico, antes de ousar postular sobre a vida… Então por que se aventurou a postular sobre aquilo que soberbamente desconhecia? A troco de quê? Rousseau, o próprio, nos dá as respostas… Em suas Confissões, na linha das Confissões de Santo Agostinho – que buscava laboriosamente encontrar o mal em cada minúcia da sua vida cotidiana para confessá-lo -, Rousseau nos choca com a sinceridade de seu egoísmo – por exemplo, abandonando 5 filhos em orfanatos – e desonestidade – por exemplo, acusando injustamente uma criada de roubo, quando ele havia sido o larápio -, e nos dá algumas pista sobre a motivação de seus escritos: um prêmio oferecido pela Academia de Dijon… Daí um mar de péssimas ideias: Ciências, Literatura, Artes, eram ácidos que corroem os costumes… Cada fibra do conhecimento deriva de um pecado: a Geometria provém da avareza, a Física da vaidade e da curiosidade vazia, e a Astronomia vem da superstição… A Ética, segundo Rousseau, provém do orgulho… Os cientistas estão arruinando o mundo, e todo o tipo de progresso é ilusão…
E por aí vai… Suas origens puritanas e calvinistas, nunca se calaram…
Então Rousseau tomou estas péssimas ideias e as misturou com um resgate da República platônica, preconizando outra sociedade utópica, fascista, e de “vida simples” como na “antiga Esparta”, publicando o seu “Discurso sobre as Ciências”… Tal ensaio, em meio ao vazio insípido de ideias da época foi um sucesso… Bombástico… E ele realmente ganhou o concurso… Rousseau, aos 38 anos, foi catapultado da obscuridade para a celebridade… Depois escreveria “Discurso sobre a Desigualdade”, onde não ganhou nada, mas aproveitou mais uma vez para fazer barulho e polemizar: “o homem é naturalmente bom, e somente por causa das instituições se torna mal”… Neste ensaio, ao invés de Platão, a inspiração vem de Thomas Hobbes (1588-1679), só que às avessas…
O termo ‘contrato social’ foi cunhado por Hobbes, mas Rousseau aplicou o termo em sentido diametralmente oposto ao sentido dado por Hobbes… Para Hobbes homens em “estado natural” precisariam de um “contrato social”, ou um conjunto de leis, para torna-los sociáveis e civilizados… Para Rousseau os “contratos sociais” vigentes eram elaborados pelos ricos para subjugar os pobres… Simples assim… Ao contrário de Locke e Hobbes, Rousseau considera em seu “Contrato Social” que o homem em seu “estado natural” – termo emprestado a Hobbes – não é ganancioso nem agressivo, mas sim pacífico, e em pleno estado de contentamento, e verdadeiramente livre… Baseado em que estudos antropológicos Rousseau afirma isso? Não sabemos, mas sabemos ser falso… Muitos estudos antropológicos mostram exatamente o contrário…
Rousseau salienta que a passagem do “estado natural” para o estado vil, o estado “civilizado”, se dá por meio do ‘advento’ da “propriedade”… Meio forçado? Muito, mas vai piorar… Rousseau segue afirmando que a desigualdade brota da instituição da propriedade privada… Em uma passagem famosa, embora lamentável, sentencia os termos de seu ‘pecado original social’: “o primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, pensou em dizer ‘isto é meu’, e encontrou pessoas simplórias o bastante para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade”… Na verdade havíamos deixado de ser catadores coletores, para nos organizarmos como grupo, e apenas porque era melhor, e isso aos olhos das mesmas “pessoas simplórias” – termo vago… Rousseau é mais literário do que acadêmico, abusa de imprecisões e adota claramente um tom messiânico… E joga pra galera… Mas Rousseau não explica o que acomete este ser primitivo, puro, do sentido de propriedade… Também não olha ao redor para perceber que todos os grandes mamíferos são territoriais… Mas Rousseau, nem antropólogo, nem zoólogo, nem geneticista, nem neurocientista, parecia muito à vontade para achar coisas… E haviam fiéis para segui-lo…
Outra citação falaciosa famosa, tomada de empréstimo por Karl Marx do Contrato Social, para ser o frontispício de seu Manifesto Comunista, é: “O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado”… A velha vitimologia, tão viva no marxismo de hoje, em estilo messiânico… As pessoas, sentencia Rousseau, não devem ser “medidas pela posição social, nem pelas posses, mas pela parcela da centelha divina que vê em todas elas; a alma imortal do homem natural”… Alma? Imortalidade, centelha divina?
Rousseau empresta de Hobbes o conceito de “a guerra de todos contra todos”, só que de forma diametralmente oposta mais uma vez… Para Rousseau esta guerra provém da selva da civilização, enquanto Hobbes acredita que provém da selva primitiva… Os dois estavam errados… Rousseau também copia de Hobbes uma passagem de Leviatã, desta vez sem deformidades, o conceito magno do “direito fundamental” da autopreservação… E envereda pelo beco escuro e tortuoso da utopia, também trilhado por Marx, profetizando que quando a sociedade for degradada pela tirania e todos forem escravizados o “círculo se completará”, pois todos os indivíduos serão iguais quando nada forem… E só existe uma forma de redenção: “o povo deve ser soberano“… E lá está Marx, fiel seguidor, em seu Manifesto Comunista, propondo a ditadura do proletariado: “Proletários de todo o mundo, uni-vos!”
Marx não foi proletário, e muito menos empresário, aliás nunca trabalhou, e comete gafes incríveis em sua crítica ao capitalismo, como por exemplo desprezar a depreciação, manutenção, capital de giro, remuneração do capital, capital investido, capital de risco, et cetera…
O pensador Samuel Johnson (1709-1784), sepultado na Abadia de Westminster, dirige-se a Rousseau e seus fervorosos adeptos: “a verdade é uma vaca que não mais lhes fornece leite, de forma que tiveram que ordenar o touro”… Voltaire (1694-1778) – sepultado na Igreja de Santa Genoveva, ironicamente à frente do túmulo de seu maior inimigo: Rousseau – foi mais contundente e mordaz:
“Recebi o seu último livro contra a raça humana e agradeço-lhe. Jamais tamanha inteligência foi usada com o propósito de fazer-nos parecer todos estúpidos. É de se desejar, após ler seu livro, caminhar de quatro. Mas como perdi este hábito há mais de sessenta anos, sinto-me infelizmente impossibilitado de retomá-lo.”
Em 1954 como celebridade, Rousseau foi convidado a retornar a Genebra, sua cidade natal, e estava muito feliz, e reconvertido ao calvinismo… Só que Voltaire também residia por lá… Rousseau, o puritano influente, tratava de apoiar a proibição da encenação de peças teatrais – lembram da corrosão dos costumes -, enquanto Voltaire de insurgia contra tal censura… Mas o destino reservaria uma surpresa a Rousseau, enquanto Voltaire riria por último do ‘falso’ puritano… O mesmo pensamento reacionário e caduca calvinista, terminou por julgar o Contrato Social um atentado a moral pública, e seus exemplares foram queimados na Praça Municipal de Genebra em 1762, assim como sua obra sobre educação – Emílio…
Rousseau acreditava que o comportamento ruim era fruto do aprendizado e da socialização: “Os homens são maus; uma triste e constante experiência dispensa provas”… Rousseau não foi um exemplo de caráter – segundo ele mesmo… Mas essa maldade provém da sociedade, sentenciou: “Não existe perversidade original no coração humano. Não se encontra nele um único vício que não seja possível identificar como e quando entrou”… Esta é a autoindulgência de Rousseau, no melhor estilo agostiniano, e de São Tomás de Aquino… No melhor estilo da doutrina religiosa, e fundada no maniqueísmo religioso…
Rousseau, na falácia do bom selvagem, remete à brancura da folha em branco – da Tábula Rasa – às conotações morais adjacentes, limpo, claro, imaculado, cândido, puro, sem jaça, ilibado, virgem, assim como das respectivas perversões, marca, mancha, jaça, mácula, nódoa, e estigma… Rousseau não era antropólogo, e pouco conhecia sobre os ‘bons selvagens’… Toda é qualquer cultura primitiva, por mais isolada que tenha se mantido de ‘nós’, e por mais aferrada aos seus costumes, vivem de crendices, acreditam perdidamente no sobrenatural, escravizam outros grupos, desenvolvem hierarquias e sentido de posse, sem contar os incontáveis casos de canibalismo, sacrifícios humanos, e atrocidades cometidas em tempos de guerra, com rituais deploráveis – sob a nossa perspectiva – para com os guerreiros perdedores… cabeças decepadas que são utilizadas em alegres jogos, crânios transformados em tigelas et cetera… O potencial criativo em empreendedor humano, in natura, nos impulsiona naturalmente para a composição social… Basta um pouco de conhecimento antropológico, para entender que a organização do trabalho mostrou-se mais efetiva do que a sina dos catadores coletores… Só Rousseau não viu…
Marx também copiou Rousseau na canalhice, enviando um filho ‘bastardo’ para adoção, enquanto quatro outros filhos morreram de inanição… Marx, não diminuiu o número de charutos nem as noitadas na taverna, muito menos a insistência em aparentar um estilo aristocrático, para poder alimentar sua família… Era sustentado pelo “excedente” que o ‘empresário’ Engels obtinha pela ‘exploração dos trabalhadores’ de sua fábrica têxtil em Manchester… Mas esta é uma outra estória dentro da História…
3. A Doutrina do Fantasma na Máquina
“Existe uma grande diferença entre mente e corpo, porquanto o corpo é por natureza sempre divisível, e a mente é inteiramente indivisível (…) Quando considero a mente, vale dizer, eu mesmo, na medida em que sou apenas um ser pensante, não posso distinguir partes de mim, mas aprender-me como claramente uno e inteiro; e embora toda a mente pareça unida a todo o corpo, se um pé, ou um braço, ou alguma outra parte do corpo for separada do corpo, percebo que nada foi tirado de minha mente. E as faculdades de querer, sentir, conceber etc. não podem, com acerto, ser consideradas suas partes, pois é a mesma mente que se ocupa de querer, sentir e entender. No entanto é muito diferente no caso de objetos corpóreos ou dimensionáveis, pois não existe algum imaginável por mim que minha mente não possa facilmente dividir em partes. (…) Isto bastaria para ensinar-me que a mente ou alma do homem é inteiramente diferente do corpo, caso eu já não tivesse avaliado isso a partir de outras premissas.” – René Descartes (1596-1650)
Um corolário repleto de asneiras, a Doutrina da Dualidade Corpo e Mente… Mas antes que levantem as bandeiras da contextualização eu pergunto: se não sabia por que não se calou? Por que outros em sua época não se expuseram ao ridículo desta maneira? Esta é uma questão de caráter, de temperamento… Descartes buscava notoriedade, e queria contestar a Hobbes… E neste conceito, está enganado do início ao fim… Descartes, por exemplo, experimentaria uma tremenda divisão em sua mente, com um braço tentando enforca-lo enquanto o outro tenta protege-lo, e poderia ter vivenciado tal fenômeno em um plantão médico neurológico… Problemas, tumores nos corpos calosos, responsáveis pela conexão entre os dois hemisférios cerebrais, acarretam a ‘divisão da mente’, pela divisão do cérebro… Sobre almas, rsrsrs, sem comentários… Mas o pior em tudo isso, é que aqueles que leem apenas o resumo sobre filósofos e pensadores, sacam a absurda conclusão de que Descartes é um marco na história da Ciência, quando na realidade é exatamente o oposto disso… Descartes mantém e joga um holofote sobre a velha besteira platônico-aristotélica da dualidade corpo e mente…
O filósofo Gilbert Ryle (1900-1976), foi um detrator desta falácia, cunhando o termo ‘Ghost in the machine’- nome de um dos memoráveis álbuns da banda inglesa The Police:
“Há uma doutrina sobre a natureza e o lugar da mente de tal modo prevalecente entre os teóricos e até entre os leigos que merece ser designada como a teoria oficial (…) A doutrina oficial, que procede sobretudo de Descartes, é mais ou menos como descrita a seguir. Com a duvidosa exceção dos idiotas e das crianças de colo, todo ser humano possui um corpo e uma mente. Alguns prefeririam afirmar que tanto um corpo como uma mente. Seu corpo e a sua mente normalmente estão atrelados um ao outro, mas depois da morte do corpo a mente pode continuar a existir e funcionar. Os corpos humanos existem no espaço e estão sujeitos às leis mecânicas que governam todos os outros corpos no espaço. (…) Mas as mentes não existe no espaço, nem suas operações estão sujeitas a leis mecânicas. (…) Eis o esboço da teoria oficial. Com frequência me referirei a ela, com o intuito pejorativo, como ‘o dogma do fantasma na máquina’”…
O ‘fantasma na máquina’, assim como ‘o bom selvagem’, emergiram como oposição filosófica a Hobbes, que argumentava que a vida poderia ser explicada em bases mecânicas – quase… A luz excita nossos nervos e é mapeada no cérebro, e a isso chamamos enxergar… Descartes rejeitou a ideia de que a mente poderia operar segundo princípios físicos… Para ele, por exemplo, o comportamento, e em especial a fala, não era causado por nada, e sim “livremente escolhida”… Ele diz que não podemos duvidar da existência de nossa mente – ok – porque o ato de pensar pressupõe que nossa mente existe: penso logo existo (Cogito ergo sum)… Mas por outro lado, afirma que podemos duvidar da existência de nosso corpo, pois podemos nos imaginar como “espíritos imateriais, que apenas sonham ou têm alucinação de que estão encarnados”… Não Descartes, não podemo… Podemos imaginar que estamos voando, ou imaginar que somos azuis, mas não seremos azuis, nem voaremos, de fato… Puro sofisma…
Mas além do ‘truque’, Descartes encontrou um bônus moral para a dualidade corpo e mente: apartar-nos da natureza… “Nada há de mais eficaz para desviar espíritos fracos do caminho reto da virtude do que imaginar que a mente do animal é da mesma natureza que a nossa e que, em consequência, depois desta vida não temos nada a temer nem a esperar, assim como as moscas e formigas.”… Sim Descartes, assim mesmo… Como formigas e moscas… Mas com um nível mais elevado de atividade cerebral, não pelo tipo, mas pelo grau… Sim, somos animais, somos parte da natureza, compartilhamos o mesmo ‘tipo’ de células neurais que os demais seres vivos dotados de sistemas neurais…
Ryle explica o dilema de Descartes:
“Quando Galileu mostrou que seus métodos de descoberta científica eram adequados para fornecer uma teoria mecânica que deveria abranger tudo o que ocupa espaço, Descartes descobriu em si mesmo dois motivos conflitantes. Como homem de gênio científico, não podia deixar de concordar com as proposições da mecânica, e contudo, como homem religioso e moral, não podia aceitar, como Hobbes aceitava, o desalentador corolário dessas proposições, isto é, que a natureza humana difere apenas em grau de complexidade do mecanismo de um relógio.”
E Descartes, temia a morte… Preferindo fantasiar a imortalidade…
Charles Robert Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913), viriam para sacudir o mundo, provando que a nossa mente não difere de um relógio apenas pela complexidade – isto estava errado -, mas a alegação é válida para uma lesma, ou uma raposa, um macaco… Darwin sentenciaria em “A Origem das Espécies” de 1859: “A diferença do cérebro humano e de os outros animais é de grau, e não de tipo.”… Pensamos com os mesmos neurônios que um camarão… A mesma unidade fundamental, em termos de Biologia Molecular… Só que desta vez não estamos especulando… Estamos vendo, medindo, provando…
Mas entendo que deva parecer consternador, aceitar que o amor, a dignidade, as escolhas, a responsabilidade, são meras funções moleculares… De forma que os críticos atacam a ciência da mente – a real – com os adjetivos ‘reducionista’ ou ‘deterministas’… Eles não sabem bem o que estão dizendo, mas sabem que isso deve ser ruim, e pode funcionar com oposição… Muitos especulam sobre os ‘transplantes de cérebro’, quando na realidade deveriam especular sobre os ‘transplantes de corpo’- como observou Daniel Dennett -, posto ser a única operação de transplante que beneficia totalmente o doador, rsrsrsrs…
Descartes, o homem que ainda crê em fantasmas, é presunçoso a ponto de imaginar ter descoberto uma “nova ciência”, tratando de edificá-la em seu pomposo compêndio “Projeto para uma Ciência Universal, Destinado a Elevar Nossa Natureza Até o Mais Alto Nível de Perfeição”… Não verdade o título pressupões um fim – dogmático e moral – e não uma Ciência ou Caminho… Descartes de fato imitava os textos mais populares de Montaigne, como os Ensaios – repleto de divagações auto-irônicas -, abrindo o seu Discurso com uma astucioso referência ao seu predecessor: “o bom senso é a coisa mais equanimemente distribuída no mundo”… É? Não parece… Montaigne não é a única fonte de Descartes, que também copia e repete muitas das crenças de Santo Agostinho…
As famosas palavras Gogito ergo sum, elegantemente traduzidas para o português como ‘penso, logo existo’, nas estavam na versão original das Meditações… As palavras realmente escritas por Descartes são bem menos admiráveis, algo como:
“(…) deixe que o demônio me engane o quanto puder, ele nunca fará nada com que seu seja nada enquanto eu pensar que sou algo. Portanto, depois de considerar tudo de maneira muito completa, devo concluir que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira, cada vez que eu digo ou a formulo em minha mente“…
Sobre o ‘fantasma’, e o conceito de alma, devemos muito à Platão (427-347 AEC) e Aristóteles (384-322 AEC)… Sócrates (469-399 AEC), ao que tudo indica – pelo simples fato de que nada escreveu, e dependemos de Platão, Diógenes Laércio, Xenofonte, para entender o a sua linha de pensamento -, tem um papel fundamental na separação do pensamento grego, antes direcionado para a interpretação do mundo natural de do homem como parte integrante da natureza ou physis – pelos ditos pré-socráticos -, para o mundo da ideias ou do mundo que conhecemos hoje como filosófico… Sócrates, no entanto, somente deslocou a atenção do mundo natural para o mundo das ideias, mas seria Platão quem trataria de denegrir o conceito de homem natural por completo, para destacar o conceito metafísico de alma, e dotado-a de toda a responsabilidade pela moralidade, enquanto o corpo se desvanece secundário, inútil, em sua ‘vã filosofia’… Platão considerava, em sua ‘teoria evolutiva’, que deus havia criado o homem perfeito, e a sua degeneração produziu a mulher, que finalmente degenerou para originar os animais… No ‘Timeu’ sentencia:
“Apenas os homens são criados diretamente pelos deuses e recebem almas. Aqueles que vivem de maneira justa retornam às estrelas, mas os que são covardes ou seguem vidas iníquas, podem com razão esperar ser convertidos para a natureza das mulheres no segundo nascimento.“
É mole ou quer mais?
Aristóteles mantém o equívoco em riste e piora, mas mete-se com o corpo humano para postular toda a sorte de asneiras, como por exemplo que “um lado do corpo é mais frio do que o outro”, o cérebro é uma especie de radiador “esfriando o sangue”, enquanto o coração é a parte “pensante” d corpo, e localizando a alma na região da nuca… Também postula que a mulher não tem alma – enquanto Platão sugeria que talvez ela tivesse, embora fosse inferior à alma do homem -, e diz ainda que escravos e animais são igualmente destinados à serem dominados, com o fim de executar trabalhos motrizes, e possuidores de “almas inferiores”…
“É melhor para todos os animais domesticados serem governados pelos seres humanos. Pois assim é que se mantêm vivos. Do mesmo modo, o relacionamento entre macho e fêmea é por natureza tal que o macho ocupa a posição mais elevada e a fêmea a mais baixa, de modo que o macho domina e a fêmeas é dominada.“
E os absurdos seguem nesta linha, Aristóteles – o taxonomista -, apesar de meter-se com o corpo e com tudo o mais que lhe passasse pela vista, desprezou assim como Platão, a importância do corpo em prol do enaltecimento do intelecto, das ideias, que fatalmente decorriam da ALMA, ou de nosso fantasminha na máquina cerebral – que segundo ele, estava no lugar do coração, enquanto o fantasminhas residia na nuca…
Hipócrates (460-370 AEC) mesmo não sendo propriamente um pré-socrático, na acepção do conceito, já duvidava do sobrenatural, enquanto Platão e Aristóteles o enalteciam:
“Os homens pensam que a epilepsia é divina meramente porque não a compreendem. Se eles denominassem divina qualquer coisa que não compreendem, não haveria fim para as coisas divinas.” – Hipócrates (Pai da Medicina)
Outros como Leucipo de Mileto (primeira metade do século V AEC) – foi o mestre de Demócrito e é considerado o verdadeiro criador do atomismo -, Demócrito de Abdera (460-370 AEC) – estudou a physis – a natureza -, teorizando sobre o átomo, o vazio, e o Universo infinito, e influenciando pensadores como Epicuro e Giordano Bruno, entre outros; enquanto Platão, que odiava Demócrito, deseja ver as suas obras queimadas, enquanto Demócrito ria disso às gargalhadas -, Epicuro de Samos (341-271 AEC) – o primeiro grande naturalista:
“Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus.
Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus.
Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus.
Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males?
Por que razão é que não os impede?” – Epicuro
Aristarco de Samos (310-230 AEC) foi o primeiro a propor que a Terra girava em torno do Sol (sistema heliocêntrico) e que a Terra possuía movimento de rotação… Por tal afirmação, foi acusado de impiedade por Cleanto, o Estóico – estóico pero no mucho… Isso enquanto Aristóteles escrevia e escrevia asneiras sobre o Cosmos, postulando à vontade, sem medo de ser feliz… Se Aristarco e Aristóteles compartilhavam o mesmo contexto, o que os diferia? A atitude científica de Aristarco, contra o puro ‘constructo‘ – ou divagação mental – de Aristóteles… Aristarco calculou também as dimensões e distâncias do Sol e da Lua… Aristarco concluiu que o Sol estaria 20 vezes mais distante da Terra do que da Lua, mas embora tenha errado no cálculo, o seu procedimento estava correto… Aristarco também procurou calcular o diâmetro da Lua em relação ao da Terra, baseando-se na sombra projetada pelo nosso planeta durante um eclipse lunar e concluiu que a Lua tinha um diâmetro três vezes menor que o da Terra, sendo que o valor correto é 3,7 vezes… Também calculou, com mais precisão do que a dos antigos sábios, a duração de um ano solar… Embora obtivesse muitos erros em seus resultados, o problema estava mais nos instrumentos utilizados por ele do que nos seus métodos, que eram corretos… Aristarco tinha bom senso… Para ele, seria mais natural supor que um astro menor girasse em torno de um maior, que era uma opinião diferente da dos seus antecessores, contemporâneos e predecessores por quase 2.000 anos…
Infelizmente os escritos que sobreviverem e foram proliferados como praga, foram os escritos platônicos e aristotélicos, reavivados pelas mentes doentias de Al-Ghazali, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, entre tantos outros, sendo parte central e recorrente do pensamento ocidental até os nossos dias…
Descartes, o homem que ainda crê em fantasmas, é presunçoso a ponto de imaginar ter descoberto uma “nova ciência”, tratando de edificá-la em seu pomposo compêndio “Projeto para uma Ciência Universal, Destinado a Elevar Nossa Natureza Até o Mais Alto Nível de Perfeição”… Não verdade o título pressupões um fim – dogmático e moral – e não uma Ciência ou Caminho… Descartes de fato imitava os textos mais populares de Montaigne, como os Ensaios – repleto de divagações auto-irônicas -, abrindo o seu Discurso com uma astucioso referência ao seu predecessor: “o bom senso é a coisa mais equanimemente distribuída no mundo”… É? Não parece… Montaigne não é a única fonte de Descartes, que também copia e repete muitas das crenças de Santo Agostinho…
As famosas palavras Gogito ergo sum, elegantemente traduzidas para o português como ‘penso, logo existo’, nas estavam na versão original das Meditações… As palavras realmente escritas por Descartes são bem menos admiráveis, algo como:
“(…) deixe que o demônio me engane o quanto puder, ele nunca fará nada com que seu seja nada enquanto eu pensar que sou algo. Portanto, depois de considerar tudo de maneira muito completa, devo concluir que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira, cada vez que eu digo ou a formulo em minha mente“…
Sobre o ‘fantasma’, e o conceito de alma, devemos muito à Platão (427-347 AEC) e Aristóteles (384-322 AEC)… Sócrates (469-399 AEC), ao que tudo indica – pelo simples fato de que nada escreveu, e dependemos de Platão, Diógenes Laércio, Xenofonte, para entender o a sua linha de pensamento -, tem um papel fundamental na separação do pensamento grego, antes direcionado para a interpretação do mundo natural de do homem como parte integrante da natureza ou physis – pelos ditos pré-socráticos -, para o mundo da ideias ou do mundo que conhecemos hoje como filosófico… Sócrates, no entanto, somente deslocou a atenção do mundo natural para o mundo das ideias, mas seria Platão quem trataria de denegrir o conceito de homem natural por completo, para destacar o conceito metafísico de alma, e dotado-a de toda a responsabilidade pela moralidade, enquanto o corpo se desvanece secundário, inútil, em sua ‘vã filosofia’… Platão considerava, em sua ‘teoria evolutiva’, que deus havia criado o homem perfeito, e a sua degeneração produziu a mulher, que finalmente degenerou para originar os animais… No ‘Timeu’ sentencia:
“Apenas os homens são criados diretamente pelos deuses e recebem almas. Aqueles que vivem de maneira justa retornam às estrelas, mas os que são covardes ou seguem vidas iníquas, podem com razão esperar ser convertidos para a natureza das mulheres no segundo nascimento.“
É mole ou quer mais?
Aristóteles mantém o equívoco em riste e piora, mas mete-se com o corpo humano para postular toda a sorte de asneiras, como por exemplo que “um lado do corpo é mais frio do que o outro”, o cérebro é uma especie de radiador “esfriando o sangue”, enquanto o coração é a parte “pensante” d corpo, e localizando a alma na região da nuca… Também postula que a mulher não tem alma – enquanto Platão sugeria que talvez ela tivesse, embora fosse inferior à alma do homem -, e diz ainda que escravos e animais são igualmente destinados à serem dominados, com o fim de executar trabalhos motrizes, e possuidores de “almas inferiores”…
“É melhor para todos os animais domesticados serem governados pelos seres humanos. Pois assim é que se mantêm vivos. Do mesmo modo, o relacionamento entre macho e fêmea é por natureza tal que o macho ocupa a posição mais elevada e a fêmea a mais baixa, de modo que o macho domina e a fêmeas é dominada.“
E os absurdos seguem nesta linha, Aristóteles – o taxonomista -, apesar de meter-se com o corpo e com tudo o mais que lhe passasse pela vista, desprezou assim como Platão, a importância do corpo em prol do enaltecimento do intelecto, das ideias, que fatalmente decorriam da ALMA, ou de nosso fantasminha na máquina cerebral – que segundo ele, estava no lugar do coração, enquanto o fantasminhas residia na nuca…
Hipócrates (460-370 AEC) mesmo não sendo propriamente um pré-socrático, na acepção do conceito, já duvidava do sobrenatural, enquanto Platão e Aristóteles o enalteciam:
“Os homens pensam que a epilepsia é divina meramente porque não a compreendem. Se eles denominassem divina qualquer coisa que não compreendem, não haveria fim para as coisas divinas.” – Hipócrates (Pai da Medicina)
Outros como Leucipo de Mileto (primeira metade do século V AEC) – foi o mestre de Demócrito e é considerado o verdadeiro criador do atomismo -, Demócrito de Abdera (460-370 AEC) – estudou a physis – a natureza -, teorizando sobre o átomo, o vazio, e o Universo infinito, e influenciando pensadores como Epicuro e Giordano Bruno, entre outros; enquanto Platão, que odiava Demócrito, deseja ver as suas obras queimadas, enquanto Demócrito ria disso às gargalhadas -, Epicuro de Samos (341-271 AEC) – o primeiro grande naturalista:
“Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus.
Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus.
Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus.
Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males?
Por que razão é que não os impede?” – Epicuro
Aristarco de Samos (310-230 AEC) foi o primeiro a propor que a Terra girava em torno do Sol (sistema heliocêntrico) e que a Terra possuía movimento de rotação… Por tal afirmação, foi acusado de impiedade por Cleanto, o Estóico – estóico pero no mucho… Isso enquanto Aristóteles escrevia e escrevia asneiras sobre o Cosmos, postulando à vontade, sem medo de ser feliz… Se Aristarco e Aristóteles compartilhavam o mesmo contexto, o que os diferia? A atitude científica de Aristarco, contra o puro ‘constructo‘ – ou divagação mental – de Aristóteles… Aristarco calculou também as dimensões e distâncias do Sol e da Lua… Aristarco concluiu que o Sol estaria 20 vezes mais distante da Terra do que da Lua, mas embora tenha errado no cálculo, o seu procedimento estava correto… Aristarco também procurou calcular o diâmetro da Lua em relação ao da Terra, baseando-se na sombra projetada pelo nosso planeta durante um eclipse lunar e concluiu que a Lua tinha um diâmetro três vezes menor que o da Terra, sendo que o valor correto é 3,7 vezes… Também calculou, com mais precisão do que a dos antigos sábios, a duração de um ano solar… Embora obtivesse muitos erros em seus resultados, o problema estava mais nos instrumentos utilizados por ele do que nos seus métodos, que eram corretos… Aristarco tinha bom senso… Para ele, seria mais natural supor que um astro menor girasse em torno de um maior, que era uma opinião diferente da dos seus antecessores, contemporâneos e predecessores por quase 2.000 anos…
Infelizmente os escritos que sobreviverem e foram proliferados como praga, foram os escritos platônicos e aristotélicos, reavivados pelas mentes doentias de Al-Ghazali, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, entre tantos outros, sendo parte central e recorrente do pensamento ocidental até os nossos dias…
Concluindo…
Pela enciclopédia de asneiras que poderíamos elaborar a partir das obras de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, e parte importante dos escritos de Rousseau e Descartes, e uma parte – embora menos significativa – dos escritos de Locke e Hobbes, a profissão de filósofo ganhou severo desprestígio, significando vacuidade, especulação vazia… Mas incrivelmente, tais ideias continuam vivas em nossas vidas… E estes mesmos protagonistas ainda são endeusados por aqueles que não sabem sequer quem eles realmente foram, o que disseram, propuseram, ou quais os seus exemplos em vida…
Mas comecei falando do Leviatã da Teologia do Social – ou Sociologia – e gostaria de retomar o conceito, mas sem antes fazer a seguinte observação: as teorias sociais – posto que não atingiram de fato o status de ciência, e não produziram paradigmas – sofrem da mesma convergência que as doutrinas religiosas, aproveitando ideias anteriores, e expurgando alguns pontos, mantendo outros, acrescentando algo mais em função da época… Foi assim que Rousseau bebeu das fontes platônicas, agostinianas, assim como de Locke e Hobbes, e depois dele, Marx faria o mesmo trabalho, rescrevendo com os termos de época, a ‘achologia rousseauliana’… A Psicologia vive o mesmo desafio… Ainda não encontrou o seu caminho científico – senão pela neurociência, que nada tem a ver com a Psicologia… As verdadeiras ciências encontraram paradigma – consenso teórico e experimental – de forma que caminham de maneira cumulativa – mesmo dispondo de severos métodos de correção…
Mas voltemos ao Leviatã – não o de Hobbes -, o Leviatã Bíblico; que é derrotado por deus, e que não economiza palavras para se gabar a Jó:
“Poderás tirar com anzol o leviatã, ou ligarás a sua língua com uma corda? Podes pôr um anzol no seu nariz, ou com um gancho furar a sua queixada? Porventura multiplicará as súplicas para contigo, ou brandamente falará? Fará ele aliança contigo, ou o tomarás tu por servo para sempre? Brincarás com ele, como se fora um passarinho, ou o prenderás para tuas meninas? Os teus companheiros farão dele um banquete, ou o repartirão entre os negociantes? Encherás a sua pele de ganchos, ou a sua cabeça com arpões de pescadores? Põe a tua mão sobre ele, lembra-te da peleja, e nunca mais tal intentarás.“ – Jó 41:1-8
É ridículo imaginar um deus dando uma de gostosão e zombando de um monstro teoricamente assustador… Mas deixemos isso de lado, porque muito mais interessante é a convergência de crenças… O exemplo correspondente para os gregos foi a vitória de Zeus sobre Tifão, o filho mais novo de Gaia, a deusa Terra… O corpo de Tifão, diz a lenda, era metade homem metade cobra, e era enorme, e tão alto que “sua cabeça batia nas estrelas”, e “seus braços se estendiam do nascer ao por do sol”… De seus ombros, segundo os relatos de Hesíodo, saiam centenas de cabeças de serpentes… Todos com línguas de fogo, enquanto “labaredas dardejavam de seus muitos olhos”… E este monstro terrível teria de tornado o senhor da criação se Zeus não o tivesse derrotado pessoalmente em combate… A semelhança com outra façanha mítica, a vitória de Indra – rei do panteão védico – sobre a serpente cósmica Vritra, é inevitável… Muitas outras histórias de deuses enfrentando Leviatãs, poderiam ser contadas…
Todas essas lendas são, nas palavras da mitologista e arqueologista Jane Harrison (1850-1928), “acima de tudo, um protesto contra a adoração da Terra, e os daimones – demônios – da fertilidade da Terra”… “O culto dos poderes da fertilidade, incluindo toda a vida vegetal e animal, é suficientemente amplo para ser forte e saudável (…) mas como a atenção do homem centra-se cada vez mais em sua própria humanidade, uma tal adoração é obviamente fonte de perigo e doença.”…
Em nossa busca frenética – e sociológica – por dar destaque à nossa ‘humanidade’, em detrimento da natureza e de nossa natureza, terminamos por reinventar o Universo e a Vida forçando uma tremenda barra, para manter imortal a nossa arrogante existência, e exacerbá-la de aspectos morais; e a posteriori, enquanto a ciência tratava de desconstruir toda esta farsa, nos embrenhamos mais e mais na falácia social, último reduto da resistência covarde que teima em não aceitar a nossa beleza humana naturalmente mortal… Somos humanos, troppo umanos… Nem bons, nem maus, por natureza… Seres vivos, com algum grau de complexidade, mas parte integrante e indissolúvel da natureza… Vagando pelo espaço neste planetinha perdido, em torno de um Sol modesto, na periferia de uma galáxia entre bilhões de outras… Não vamos a lugar nenhum, mas mesmo assim, é fabuloso viver…
Somos seres vivos, complexos, e nosso comportamento decorre da resultante entre a nossa forte impulsão genética, nossa experiência intrauterina, os imprimtings das primeiras horas, dias, meses e anos, sobre o ‘cimento fresco de nossa genética’, nossa constituição neurofisiológica, nosso complexo bioquímico, nossa experiência, educação, doutrinação, o ambiente histórico e cultural, a cadeia de eventos de nossa vida et cetera… Lembrando sempre que a nossa capacidade de aprender depende de nossa genética… Somos individuais, não somos máquinas, mas o livre-arbítrio é só mais uma falácia… Convivemos com ‘bugs’ em nosso cérebro, posto que a nossa criatividade abre espaço para ilusões, e tateamos entre deuses, superstições, e as maravilhas do conhecimento cumulativo e científico, e as artes… Somos incrivelmente versáteis, e particulares, diferentes… Mas sem almas, nem livre-arbítrio, nem folha em branco…
É a partir desta perspectiva, e abandonando as Doutrinas da Teologia Social, que superaremos nossas desigualdades, racismos, opressões, pelo pleno entendimento da natureza humana… Sem culpados e sem inocentes… Almejamos um Estado que assegure liberdade e igualdade – de tratamento-, para que as nossas diferenças se manifestem e sejam acomodadas… Isso decorre do pleno entendimento da natureza humana… E não mais de postulados sociológicos… Como a encomenda de Lenin a Pavlov, “a construção do novo homem”, ou a eugenia de Hitler…
Esta é a verdade… Descubra quem somos, quem você é, e seja de propósito… Não viva de ilusões sociológicas, religiosas, psicológicas e febris… Não somos nem bons nem maus selvagens… E o homem civilizado não é nem bom nem mal… Daí advém o preconceito anti-capitalista, anti-ocidental, anti-globalização…. Falácias que vem sendo construídas por um antiga e equivocada noção do comportamento humano… Buscamos a associação, e a vida em sociedade, voluntariamente… Sem demônios… E devemos assegurar o direito de viver nossas diferenças, permitindo a assegurando a troca voluntária e pacífica, e o fluxo contínuo de nossos sistemas políticos e econômicos, a partir do melhoramento contínuo… Somos diferentes, e queremos empreender… Estamos melhorando a vida humana, ou pelo menos ajustando dia a dia, geração a geração, e a partir de parâmetros objetivos: diminuição da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, maior acesso à saúde, e às fontes de alimento e água… E isso tudo enfrentando a realidade de sermos 7 Bilhões de pessoas… O prazer sem igual de gozar a experiência de viver, seja enfrentando dificuldades, seja celebrando as nossas conquistas, serão plenamente e inequivocamente vividos em nosso cérebro… Os nossos cálculos, a nossa poesia, os anos vividos, os beijos dados, os carinhos recebidos, a emoção sentida…
As ideias de filósofos e pensadores, se capturadas pelo ‘zeitgeist’ – ambiente – de época, pode perdurar por anos, séculos, milênios… Seus reflexos podem se infiltrar em lugares e questões inimagináveis… William Godwin (1756-1835), um dos fundadores da política liberal, escreveu que “as crianças são uma espécie de matéria-prima posta em nossas mãos”, e suas mentes são como “uma folha de papel em branco”… Em tom mais sinistro e cínico, Mao Tsé-Tung justificou sua radical “engenharia social” dizendo que “é numa página em branco que se escrevem os mais belos poemas”… Foram 30 milhões de mortos, corrupção em massa, e tremenda injustiça social em plena fábula socialista… A Doutrina da Tábula Rasa também inspirou a Walt Disney, “imagino a mente da criança como um livro em branco. Durante os primeiros anos de vida, muito será escrito nestas páginas. A qualidade destes escritos afetará profundamente sua vida”… Walt Disney estava equivocado sobre a folha em branco, mas pode ter antecipado os imprintings que a mente recebe em seus primeiros anos, muitas vezes, como desfecho do processo fisiológico…
Locke não podia imaginar que sua ideias inspirariam o Bambi, nem Rousseau poderia imaginar-se co-diretor de Pocahontas, a exemplo mais vivo da Doutrina do Bom selvagem… Rousseau não poderia ter imaginado que estaria representando nas páginas do Boston Globe, de pesamento igualmente puritano, no editorial do Dia de Ação de Graças: “Eu diria que o mundo que os nativos americanos conheciam era bem mais estável, mais feliz e menos bárbaro que a nossa sociedade atual. (…) não havia problemas de emprego, a harmonia era grande, não existia abuso de substâncias tóxicas, o crime quase inexistia. A guerra que havia era grande medida ritualística e raramente resultava em matança em massas e indiscriminada. Embora ocorressem tempos difíceis, a vida, o mais das vezes, era estável e previsível. (…) Pois os nativos respeitavam o que os circundava, não havia perda de água ou recursos alimentícios decorrentes de poluição ou extinção, nem escassez de matéria-prima para os artigos básicos da vida, como cestas, canoas, abrigo ou fogo“…
A Doutrina do Fantasma na Máquina também tem os seus adeptos, como George W. Bush, que em 2001 anunciou que o governo americano não financiaria pesquisas com células-tronco… Esta ignóbil decisão, além da co-produção de Platão, Aristóteles e Descartes, teve a participação de ‘filósofos e pensadores religiosos’, que ‘sabiamente’ alicerçaram suas ideias na existência – inequívoca – da alma… Uma questão vital para nós, seres humanos no século XXI, foi decidida com bases nas crenças infantis dos dois últimos dois milênios, do pensamento dominante, que embora tenha se auto-intitulado ‘revolucionário’ e ‘moderno’, não passou de um dogma tradicionalista e conservador… O que há de novo no marxismo? O que aportou efetivamente à humanidade além do incremento do repúdio às ditaduras em pele de regime comunitário?
Homens éticos – logo céticos – livres, solidários, pensantes, UNI-VOS!!! Não para tomar o poder, como apregoava o Manifesto Comunista, mas para dar clareza à humanidade, e libertar mais homens, transformando pacificamente a sociedade…
Mas assim caminha a humanidade… So, keep walking…
Carlos Sherman
Fontes de Consulta: Steven Pinker, Duane e Sidney Schultz, Joseph Campbell, Claude Lévi-Strauss, Daniel Dennett, Martin Cohen
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