Por Carlos Sherman
Com o máximo de respeito a Paulo Freire, discordo completamente da frase: ‘NÃO HÁ SABER MAIS E SABER MENOS HÁ SABERES DIFERENTES’… Mas quem sou eu? Um reles livre pensante… Um reles mortal, um reles humano… Desde que pus os olhos nesta imagem pela primeira vez, tratei de resistir o quanto pude, mas aqui vou eu… Afinal, como bom iconoclasta, admiro ideias, mas não costumo idolatrar os seus autores…
É óbvio que podemos ‘saber’ mais, menos, muito, pouco, e NADA… Dependendo do tópico, e do assunto… Alias quem SABE, ‘sabe alguma coisa, sobre algum assunto, tema ou disciplina’… Ou isso já foi revogado? Os ‘saberes’ são precisamente tais ‘disciplinas, temas e assuntos’… E também podemos ‘não saber’ – patavinas… Ou isso também foi revogado aqui?
Mas Paulo, POR QUÊ?
Você ‘sabe’ quais são as leis da termodinâmica? ‘Sabe’ o Teorema de Pitágoras? ‘Sabe’ a constituição proteica das moléculas que compõe o DNA? ‘Sabe’ qual é a estrutura do neurônio? ‘Sabe’ como um impulso nervoso se propaga? Você sabe quem casou com a dona Maria? Quem é o ministro que acaba de ser exonerado? Ou quem ganhou o Nobel de Medicina em 2004? Não poderemos mais aplicar nenhum exame, e logar nem pequenas certezas sobre nada, porque segundo a mensagem acima, tudo acaba de ser relativizado… E simplesmente não procede… Nem minimamente…
Mas, gostaria de entender o ‘porquê’ da afirmativa de Freire, e quais a suas ‘reais’ intenções… Freire afirmou tantas coisas que não procederam, e esta seria apenas mais uma… Paulo teve uma vida bastante respeitável, mas se equivocou tanto quanto ou até mais, do que seria admissível para alguém de sua envergadura… Como no caso do marxismo, bandeira e quase religião abraçada por Freire… E realmente não me surpreendo que tenha dito esta pérola do non sense…
Aproveito para falar de outro Freyre, Gilberto Freyre, eminente sociólogo, escritor da obra prima Casa Grande e Senzala (1933), mas que em sua dissertação de mestrado na Universidade de Columbia (1922), disse ser franco admirador da Ku-Klux-Klan, em seu papel de limpeza étnica e eugenia – da raça branca… Freyre chama os membros da KKK de “cavalheiros”, e elogia: “uma espécie de maçonaria guerreira”… E lamenta a “destruição dos hábitos sulistas”: “havia lazer, havia fausto, haviam escravos, e maneiras gentis”… Haviam mortes, crimes, racismo e opressão… “Maneiras gentis” é particularmente assustador…
Freyre, com ‘y’, que torcia pelo “embranquecimento do povo brasileiro”, elogia a Argentina, também pelo mesmo motivo, em resenha escrita para o livro ‘Na Argentina’, de autoria de Oliveira Viana, grande defensor da eugenia no Brasil: “Parece que neste ponto a República do Prata leva decidida VANTAGEM sobre os demais países americanos”… E pasmem, Freyre arremata empolgado: “Em um futuro não remoto, sua população será praticamente BRANCA”… Mas Gilberto Freyre parece ter revisado ‘radicalmente’ seus pontos de vista em sua obra máxima, e passa a enaltecer o “mestiço e o mulato brasileiro”…
Freyre mudou radicalmente de opinião desde os tempos em que publicava artigos no Diário de Pernambuco reclamando “das regiões contaminadas pelo sangue negro”… E torce, em 1925, para que “o sangue da RAÇA SUPERIOR – branco, ariana – predomine no país”… Em nosso pais… Bela reviravolta, belo exemplo de superação… Porque Freyre, com ‘y’, ‘não sabia de muita coisa’, e depois, ao que parece, veio a ‘saber’, e produziu outra conclusão sobre as mesmas relações humanas e sociais…
É óbvio que existe o ‘não saber’… Você sabe quem inventou a pólvora? E alguém pode ‘não saber’… Ou não pode? Ou fui eu quem acabei de acender o estopim de um belo barril de pólvora? Criticando o ‘não saber’ de ícones nacionais considerados ‘sagrados e intocáveis’… Rsrsrsrs, creio que não… Mas não tem problema, só estou tento a coragem de dizer a verdade, frente a frente com um senhor de barbas longas, grisalhas, já falecido, com cara de ‘avô de qualquer um’… E um homem respeitável… Mas apenas um homem… Um homem, suas ‘ideias’, o seu ‘saber’, e o seu ‘não saber’… Mesmo assim, não entendi Paulo Freire neste episódio…
Paulo Freire, sua obra – e vida -, goza de respeito e admiração internacional… Mas sempre me perguntei por que Freire tem seguidores tão fervorosos até hoje… Simplesmente ‘não sei’… Não entendo o motivo de tamanha devoção, e tenho me dedicado a entender o fenômeno… Talvez, remanescências de tempos idos, tempos do romantismo e da mega hipocrisia do cinismo comunista… Onde Paulo Freire, rigorosamente, ‘não sabia’ o que realmente estava se passando nos porões do marxismo, e do comunismo… Ou não foi capaz de saber, perceber ou entender… Ou estava cego pelo devaneio quase religioso… Ou não deu bola… Talvez a tendência à idolatria, que é nutrida por muitos, e para com tudo aquilo o que parece ser erudito ou complexo… Isso sem invocar a análise critica e objetiva, sem invocar a saudável Epistemologia, sem submeter frase como essa ao escrutínio da ‘pensabilidade’… Sem uma visão livre, e mais profunda sobre a sua UTILIDADE, e procedência…
Ferreira Gullar se reinventou… Corajoso e sóbrio, livre e digno… Mas alguns dos maiores escritores em línguas latinas – verdadeiros poetas e filósofos -, Neruda e Jorge Amado, derraparam na mesma curva do marxismo de carteirinha, e protagonizaram frases e discursos abaixo da crítica… Irreconhecíveis, patéticos, tristes… Mas parecem ter deixado de vez esta fase, digamos, DOGMÁTICA, no passado… E suas obras guardaram – incólumes – suas respectivas genialidades, e o frescor de sua criatividade…
Jorge amado, por exemplo, conseguiu defender ao mesmo tempo Hitler e Stálin, dois dos maiores assassinos da humanidade… Mas ele ‘pulou fora do nazismo rapidamente, embora o a paixão pelo “sorriso de Stálin”, tenha perdurado uma década mais… Stálin, um truculento genocida, foi descrito por Amado como “sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela FELICIDADE DO HOMEM SOBRE A TERRA”… Posso sim afirmar, que Jorge Amado ‘não sabia’ do que estava falando…
Até Neruda, Prêmio Nobel em Literatura, e um dos meus poetas e escritores prediletos, “amava Stalin”… Ou melhor, ‘amou’… Durante os funerais de Josef Stálin, Pablo Neruda publicou sua ‘Ode a Stalin’, na revista francesa ‘L´Espresso’:
“[…]
Sua simplicidade e sabedoria,
Sua estrutura,
De BONDOSO CORAÇÃO e de aço inflexível,
Nos ajuda a ser homens cada dia,
Diariamente NOS AJUDA A SER HOMENS”…
Pois Josef Stalin, e seu BONDOSO CORAÇÃO, foi – por exemplo – responsável direto pelo genocídio na Ucrânia – conhecido como Holodomor -, em 1932 e 1933… Tendo causado no mínimo a norte de 4,5 milhões de seres humanos – só na Ucrânia -, além de aproximadamente de 3 milhões de vítimas em outras regiões da U.R.S.S… Mandou assassinar, perseguir, prender, torturar e deportar opositores… Mandou opositores para os Gulags, campos de concentração… Abaixo, um levantamento mais ‘conservador’ dos crimes atribuídos DIRETAMENTE a Stálin:
Stálin, ‘o carniceiro’, trabalhava fortemente o culto á personalidade como arma ideológica, e – ao que tudo indica – cativou Neruda e Amado, entre outros tantos… Stálin perseguiu os seus opositores implacavelmente, sendo o caso mais notório o de Leon Trótski, então exilado no México… Por mais que Trótski tomasse providências para esconder-se de Stálin, Ramón Mercader – fiel seguidor e membro da seita, ops, Partido dos Comunistas da Catalunha, foi para o México e conseguiu ganhar a confiança do dissidente, para então executá-lo com um golpe de picareta… Na cabeça… Cumprindo assim sua missão, generosa e regiamente recompensada por Stálin… Sempre “um BONDOSO CORAÇÃO”…
Acima, a primeira página de uma lista de 346 pessoas a serem executadas… No alto, Stálin escreveu “за”: SIM… Tão bondoso!!!
Fotos de vítimas do ‘Grande Expurgo’ baleadas pela NKVD – polícia assassina de Stálin… Motivo: ‘pensar diferente de Stálin’… Como na Bíblia, morte a quem pensa diferente de ‘deus’…
Mas voltando a Paulo – Freire -, este tipo de afirmação, trata de relativizar tudo, lançando uma nuvem tóxica sobre a razão… Nada pode ser estabelecido… Mas parece que Freire está tocando em retirada de tantas besteiras que cunhou, ao longo de uma respeitável vida, mas construída sobre dogmas e crenças… Que, como esta, foram totalmente infundadas… A menos que exista um contexto particular que justifique tal afirmação, soa com um NADA estrondoso…
Deixo que Asimov responda a Freire, explicando que ‘sim’, é claro que alguns saberes estão mais corretos do que outros, e alguns ditos ‘saberes’ não passam de ‘achologia vazia‘ – tendo como exemplo o aforismo vazio de Freire:
Quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, estavam erradas. Quando as pessoas pensavam que a Terra era – ‘exatamente’ [grifo meu] esférica, estavam erradas. Mas, se você considera que ‘pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana’, então a sua visão está mais errada do que as duas juntas.
Isaac Asimov
(‘A Relatividade do Erro’; 1989)
Viremos a página… Existem bons e melhores conselhos em nosso tempo… Não basta ser Freire, com ‘i’ ou com ‘y’, não basta a idade, nem a fama… Há que provar o seu valor…
Mas, assim caminha a Humanidade…
– Carlos Sherman
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