Por Carlos Sherman
A bíblia ordena a morte por apedrejamento da mulher que foi vítima de estupro “porquanto não gritou na cidade” – Deuteronômio [22:23-24]. Em diversas culturas na antiguidade, mulheres que engravidavam após serem estupradas eram mortas. Mais ignorância e mais mortes, afinal, acreditava-se que a gravidez estava relacionada inequivocamente com o prazer sentido no ato – para a continuidade do terror das vítimas. Hoje, em função do correto entendimento, tratamos as vítimas e encarceramos os agressores. O volume dos gritos abafados pela violência, pela dor, pela vergonha, no entanto, ecoará na cabeça da vítima para sempre – MESMO QUE A CIDADE NÃO OUÇA.
Há pouco tempo, a diocese católica de Recife, na figura do arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, “excomungou” os médicos e a parturiente que realizaram um aborto em uma vítima de estupro – devidamente autorizado pela justiça. Mas outro grotesco detalhe cultural e religioso tornaria esta tragédia ainda mais obscura; afinal, o agressor, o estuprador, o marginal covarde, e que também era o padrasto da menina, não foi excomungado. Que pese, e isso pesa muito, a menina tinha 9 aninhos – portanto “madura” para os padrões religiosos -, e estava grávida de gêmeos – e a sua vida também corria risco.
Examinemos as palavras e justificativas RELIGIOSAS E CULTURAIS… A CULTURA CRISTÃ, representada aqui pelo arcebispo:
[…] o aborto é um crime mais grave que o estupro. Não, absolutamente não [o padrasto não deve ser excomungado da Igreja Católica]. Não fui eu que excomunguei as pessoas envolvidas com o aborto. O aborto é um crime que está previsto nas leis da Igreja, no código aprovado pelo papa. Essa é a penalidade da Igreja. […] Quem cometer estupro está cometendo um pecado gravíssimo, aqueles que cometem assaltos também, estão cometendo pecados gravíssimos, e a Igreja também os condena. Mas, para estes pecados, a Igreja não prevê a excomunhão. […] Quem cometeu o aborto é um crime mais grave ainda, porque é tirar a vida de alguém inocente, indefeso.
Todo este lixo hipócrita fede muito, e ainda mais porque a bíblia ordenou – na figura de seu próprio deus – a morte de milhões de inocentes e indefesos em sucessivos ABORTOS! No Dilúvio, e.g., com os seus corpos afogados, assim como fazem os indianos com seus recém-nascidos no Ganges – o Rio Deus. Em Sodoma e Gomorra, onde todas as crianças foram mortas e soterradas juntamente com os seus pais. É neste episódio, que deus decide salvar apenas uma família, uma família especial, a melhor: a família de Ló, “o Justo” – o único homem justo. Na fuga, deus decide “matar” a esposa de Ló, mãe desta família, transformando-a sordidamente em uma “estátua de sal”; e somente pelo crime de “olhar para trás” – Gênesis [19:26].
Ló, o justo – segundo os padrões bíblicos -, resolve então transar com as duas filhas, engravidando-as certeiramente. Mas declara estar bêbado, e não percebe o incesto.
Outros abortos foram procedidos por deus, com milhares de crianças mortas, indefesas, corpos ao chão, nas inúmeras incursões do “Senhor dos Exércitos” contra os “hereges”, “idólatras” e “infiéis”. Deus mata – por exemplo – a “todos os primogênitos do Egito” – Salmos [78-51], [105:16] [135:8], [136:10], Êxodo [11:5], [12:12], [12:29], [13:15], Números [3:13], [8: 17], etc. Morte, morte, morte.
E enfim, o aborto mais claro e deslavado da bíblia, quando deus cuida para que o filho da trairagem de Davi com Betsabá seja MORTO. Este é um notório aborto cometido por deus. Na verdade, isso é bem pior; trata-se de um infanticídio triplamente qualificado, e cometido pelo seu deus. Pior porque não existe um sistema neural formado quando um aborto legal é autorizado por lei, mas existia sim uma vida capaz de sofrer a morte nas mãos gélidas do senhor. Não estou justificando uma morte com outra, e em absoluto, estou tratando de esvaziar mais uma crença sórdida e hipócrita com FATOS.
E sendo assim, e com tais assuntos esclarecidos, a cristandade católica poderia convergir as suas orações e pesares para a vítima de 9 aninhos, neste terrível episódio em Recife – ESTRANHAMENTE, PERMITIDO POR DEUS.
Carlos Sherman (Excerto de Eva, As Origens da Misoginia; 2013)
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