Por Carlos Sherman
Uma questão se impõe: ‘Se deus está por trás da cura, por que não impediu a enfermidade??? Se deus está por trás da salvação, porque não impediu a enfermidade???’ Essa é a inescapável questão que o dramaturgo greco Aristófanes (447 – 385 AEC) nos coloca em sua magistral peça ‘As Nuvens’ (423 AEC)…
Em ‘As nuvens’, Aristófanes nos apresenta um personagem, um filósofo chamado Sócrates – provavelmente inspirado no filósofo Sócrates, que ainda era vivo à época -, que mantém uma escola de ceticismo… Um fazendeiro das vizinhanças se sai com as habituais perguntas obtusas feitas pelos fiéis, como: “se não há Zeus, quem manda a chuva para regar as plantações???” Convidando o homem a utilizar sua cabeça por um segundo, Sócrates destaca que se Zeus pudesse fazer chover, haveria, ou poderia haver, chuva em céus sem nuvens… Como isso não acontece, deve ser mais sábio concluir que as nuvens são a causa da chuva… “Tudo bem”, diz o fazendeiro, “mas então quem coloca as nuvens em posição??? Certamente deve ser Zeus…” Não, diz Sócrates, que explica os ventos e o calor… Bem, nesse caso, replica o velho rústico, “de onde vêm os raios para punir os mentirosos e os que agem errado???” Os raios, é gentilmente explicado a ele, não parecem discriminar justos e injustos… De fato, freqüentemente é noticiado que eles atingem os templos do próprio Zeus olímpico… Isso é suficiente para derrotar o fazendeiro, embora ele depois abjure sua falta de reverência e queime a escola com Sócrates dentro… Conhecemos o padrão…
São muitos os livre-pensadores que passaram pelo mesmo, ou escaparam por pouco… Todos os grandes confrontos sobre o direito ao livre-pensar, à liberdade de ex-pressão e de pesquisa tiveram a mesma forma – uma tentativa religiosa de afirmar o apelo ao sobrenatural sobre a mente investigativa… Fé é quando as respostas precedem as perguntas… Fé é quando a autoridade irrompe contra o conhecimento… Tudo isso propagado pelo ‘desejo vão e inútil de estar de alguma forma presente no próprio enterro‘ (Hitchens, 2006) , o que é amplamente impulsionada por variantes em nossos lobos temporais – de onde advém a epilepsia… Ainda segundo Aristófanes:
‘Quem pode girar todas as esferas estreladas e soprar sobre toda a terra o calor frutífero de cima, estar a postos em todos os lugares e todo o tempo, reunir nuvens negras e sacudir o céu plácido com terrível trovão, arremessar raios que muitas vezes destroem seus próprios santuários, se enfurecer no deserto, recuando para exercitar a pontaria, de modo que seus dardos possam errar o culpado e matar o inocente?‘…
Quem??? O cérebro humano, inexato, complexo, em processo evolutivo, e incrivelmente sujeito à ilusões, delírios, e alucinações… e aos conhecidos e diversos, ‘Desvios Cognitivos de Confirmação’… FIAT LUX…
As Nuvens
Estrepsíades
Queres dizer que Zeus é uma invenção?
Sócrates
Zeus? Que Zeus? Não há Zeus. Que Zeus?
Estrepsíades
Que Zeus?
Quem então faz a chuva? Me responde.
Sócrates
Quem faz a chuva? As nuvens, certamente.
A prova, neste caso, é conclusiva:
Tu já viste jamais chover com céu sem nuvens?
Se fosse Zeus, fazer chover podia
Com um céu todo claro. Ou não podia?
Estrepsíades
Podia, é claro. Tens razão, portanto.
Tens razão, tens razão, mas eu pensava
Que Zeus, com um regador, fazia a chuva.
Mas ainda há uma coisa: e a trovoada?
Sócrates
São as nuvens também. Simples processo
De convecção. Isto é coisa provada.
Estrepsíades
Eu muito te admiro, mas confesso:
Não é fácil seguir teu raciocínio.
Sócrates
Escuta, pois. As nuvens o que são?
Uma densa de água solução.
A tumescência move-se e provoca
Em conseqüência a precipitação.
E conseqüentemente com algum
Esforço então as massas se distendem,
E as massas distendidas fazem: Pum!
Estrepsíades
Mas quem as faz mover para colidirem?
Não achas que é Zeus?
Sócrates
Não, idiota.
Tudo isso é explicado no princípio
Da convecção.
Estrepsíades
Convecção? Princípio?
Espera um pouco. Tu não me disseste
Afinal quem faz a trovoada.
Sócrates
Ora, não te expliquei? Não me entendeste;
As Nuvens são de água carregada
E explodem, quando entram em colisão.
Estrepsíades
E a prova disso, podes me mostrar?
Sócrates
Muito fácil. Em ti mesmo tens a prova.
Os cozidos de carne não conheces
Que são vendidos em Panatenaia?
Como provocam dores de barriga
E fazem ribombar o baixo ventre?
Estrepsíades
Por Apolo, eu me lembro. Coisa Horrível!
Logo a gente se sente muito mal,
Com a barriga crescida e após, então
Dor de barriga e, após, sob pressão,
Vai comprimindo o vento intestinal
E para fora sai como um trovão.
É um ronco a princípio: puuum
Depois mais alto: puuuuum
E afinal um trovão: PUUUUUUUUUUUUM!
Sócrates
Precisamente. O diminuto pum
De tua entranha, é mister, compara
Com o estrondoso pum que vem do céu,
Isto é, o trovão. Mas o princípio
É o mesmo, quer num caso, quer no outro.
Estrepsíades
Mas, então, de onde é que o raio vem?
E, quando o raio cai, por que é que mata
Alguns homens e outros são poupados?
É Zeus quem manda os raios. Evidente!
Com o raio castiga os mentirosos.
Sócrates
Ouve, idiota, e me responde agora:
Se é Zeus que castiga os mentirosos,
Como é que Simon ainda está vivo,
Vivos também Cleôminos e Téoros?
No entanto, em lugar de fazer isso
Ele destrói seus próprios santuários
Corta ao meio carvalhos centenários.
Tem razão para isso? Por acaso
Pode o carvalho cometer perjúrio?
Estreopsíades
Mas como explicas, afinal, o raio?
Sócrates
Espera.
(Ilustra as suas palavras com um precário Modelo do Universo.)
Vê agora. Suponhamos
A corrente de ar, bem aquecida
Subindo o rumo ao céu. Logo em seguida
Atinge as nuvens e estas se dilatam
E se distendem, qual uma bexiga
De boi, bem limpa, que um menino sopra
E se enche de ar. Eis que a pressão
Tremendamente forte se tornando
Provoca a ruptura do balão,
Com um estrondo terrível, o trovão.
E liberando os ventos que disparam
Em tal velocidade que o atrito
Acaba provocando a combustão,
E assim ocorre o raio.
Tenho dito.
Queres dizer que Zeus é uma invenção?
Sócrates
Zeus? Que Zeus? Não há Zeus. Que Zeus?
Estrepsíades
Que Zeus?
Quem então faz a chuva? Me responde.
Sócrates
Quem faz a chuva? As nuvens, certamente.
A prova, neste caso, é conclusiva:
Tu já viste jamais chover com céu sem nuvens?
Se fosse Zeus, fazer chover podia
Com um céu todo claro. Ou não podia?
Estrepsíades
Podia, é claro. Tens razão, portanto.
Tens razão, tens razão, mas eu pensava
Que Zeus, com um regador, fazia a chuva.
Mas ainda há uma coisa: e a trovoada?
Sócrates
São as nuvens também. Simples processo
De convecção. Isto é coisa provada.
Estrepsíades
Eu muito te admiro, mas confesso:
Não é fácil seguir teu raciocínio.
Sócrates
Escuta, pois. As nuvens o que são?
Uma densa de água solução.
A tumescência move-se e provoca
Em conseqüência a precipitação.
E conseqüentemente com algum
Esforço então as massas se distendem,
E as massas distendidas fazem: Pum!
Estrepsíades
Mas quem as faz mover para colidirem?
Não achas que é Zeus?
Sócrates
Não, idiota.
Tudo isso é explicado no princípio
Da convecção.
Estrepsíades
Convecção? Princípio?
Espera um pouco. Tu não me disseste
Afinal quem faz a trovoada.
Sócrates
Ora, não te expliquei? Não me entendeste;
As Nuvens são de água carregada
E explodem, quando entram em colisão.
Estrepsíades
E a prova disso, podes me mostrar?
Sócrates
Muito fácil. Em ti mesmo tens a prova.
Os cozidos de carne não conheces
Que são vendidos em Panatenaia?
Como provocam dores de barriga
E fazem ribombar o baixo ventre?
Estrepsíades
Por Apolo, eu me lembro. Coisa Horrível!
Logo a gente se sente muito mal,
Com a barriga crescida e após, então
Dor de barriga e, após, sob pressão,
Vai comprimindo o vento intestinal
E para fora sai como um trovão.
É um ronco a princípio: puuum
Depois mais alto: puuuuum
E afinal um trovão: PUUUUUUUUUUUUM!
Sócrates
Precisamente. O diminuto pum
De tua entranha, é mister, compara
Com o estrondoso pum que vem do céu,
Isto é, o trovão. Mas o princípio
É o mesmo, quer num caso, quer no outro.
Estrepsíades
Mas, então, de onde é que o raio vem?
E, quando o raio cai, por que é que mata
Alguns homens e outros são poupados?
É Zeus quem manda os raios. Evidente!
Com o raio castiga os mentirosos.
Sócrates
Ouve, idiota, e me responde agora:
Se é Zeus que castiga os mentirosos,
Como é que Simon ainda está vivo,
Vivos também Cleôminos e Téoros?
No entanto, em lugar de fazer isso
Ele destrói seus próprios santuários
Corta ao meio carvalhos centenários.
Tem razão para isso? Por acaso
Pode o carvalho cometer perjúrio?
Estreopsíades
Mas como explicas, afinal, o raio?
Sócrates
Espera.
(Ilustra as suas palavras com um precário Modelo do Universo.)
Vê agora. Suponhamos
A corrente de ar, bem aquecida
Subindo o rumo ao céu. Logo em seguida
Atinge as nuvens e estas se dilatam
E se distendem, qual uma bexiga
De boi, bem limpa, que um menino sopra
E se enche de ar. Eis que a pressão
Tremendamente forte se tornando
Provoca a ruptura do balão,
Com um estrondo terrível, o trovão.
E liberando os ventos que disparam
Em tal velocidade que o atrito
Acaba provocando a combustão,
E assim ocorre o raio.
Tenho dito.
Excerto de “As Nuvens”, de Aristofanes, encenada em 423 AEC – A cena acima, ilustra o diálogo entre o ‘personagem Sócrates’, que ‘personifica’ o sábio, e o personagem Estreopsíades que personifica o aprendiz, um caipira, tolo, e rústico candidato a aprendiz… É interessante notar como o personagem do sábio – ‘Sócrates’ ridiculariza Zeus – deus -, enquanto o outro personagem, o estúpido trata de concordar com as lições… Vale lembrar ainda que Sócrates, o Sócrates histórico, estava vivo, e seria plausível pensar que esta encenação posso de alguma forma tê-lo implicado ainda mais, nos episódios que conduzem à sua prisão, julgamento e condenação à morte; exatamente por desafiar à autoridade dos deus do Olimpo… “As Nuvens” também podem ter influenciado Lucrécio, o precursor do ateísmo, que teria servido de influência para Espinosa, e que por sua vez influenciou a Jean Meslier, que daria o golpe de misericórdia, para que Nietzsche levasse a fama…
MAS A PEÇA TERMINA COM ‘ESTREOPSÍADES’ REUNINDO UMA MULTIDÃO PARA QUEIMAR A ESCOLA DE SÓCRATES, E CUIDANDO PARA QUE ELE ESTIVESSE DENTRO…
E ASSIM FOI…
Carlos Sherman
MAS A PEÇA TERMINA COM ‘ESTREOPSÍADES’ REUNINDO UMA MULTIDÃO PARA QUEIMAR A ESCOLA DE SÓCRATES, E CUIDANDO PARA QUE ELE ESTIVESSE DENTRO…
E ASSIM FOI…
Carlos Sherman
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