Por Carlos Sherman
Estamos em 1989, o ano das Diretas Já, após a gloriosa Constituinte de 1988. As primeiras eleições para presidente em 29 anos de jejum em eleições livres no Brasil. 15 de novembro de 1989, exatos 100 anos do golpe militar de 1889, e inaugurando a nossa República, para aposentar Dom Pedro II. E esse regime republicano se mostrava tão vigoroso que terminaria por produziria uma panaceia de candidatos ao páreo presidencial.
– Bom, senhoras e senhores, no “corner direito”, Fernando Collor de Melo, representante do populismo oligárquico e chauvinista nordestino; no “outro corner esquerdo, mas menos-esquerdo, ou mais-esquerdo”, o último caudilho, o “engenheiro político” Leonel Brizola, parceiro de ditadores como Getúlio Vargas, cunhado do oligarca e maluco populista Jango, e autor da alcunha de “sapo barbudo” para o integrante do “outro corner esquerdo”; lá estava, “no centro, ou centro-esquerda”, o “doutor” Ulisses, grande patrono de outra “odisseia”, a homérica Constituição de 1988; e Paulo Maluf, “o rouba, mas faz”, no “outro corner direito”, embora sempre muito “errado”, governador de São Paulo na época da primeira prisão de Lula, futuro presidiário, e autor da frase: “Lula é um líder morto”; mas a cova aqui era outra, e Covas, o Mário, mais para a “centro-direita, ou centro-esquerda, ou o contrário do contrário”, “aquele que… atrás do armário”; o Gabeira, mais ao “centro-coerente”, atacado por seus opositores com o slogan “quem senta, fuma e cheira vota no…”; e o “meu nome Enéas”, uma caricatura direitista chauvinista, idolatrado por alguns descerebrados; e o Roberto Freire, do “partido comunista”, que nunca foi comunista, em plena Perestroika, e às vésperas da queda do Muro de Berlim; e contou também com a figura napoleônica do Ronaldo Caiado, um quadrúpede montado em um cavalo branco, o moralista, o machão… um caudilho à “direita da direita”, um “líder patronal ruralista”… E digam o que quiserem, mas essa eleição foi estupenda! Como diria o personagem Sebastião, codinome Pierre, criado por Jô Soares no auge dos 80: “Chose de loque!” E põe loque nisso.
O primeiro páreo, com dito, ocorreria em 15 de novembro de 1989, e [rufam os tambores]… Em primeiro lugar, o Collor, com 20.611.000 votos, 30% do total de votos válidos; em segundo lugar, o Lula, com 11.622.000 votos, 17.18%; em terceiro, o Brizola, com 11.168.000 votos… que quase passou ao segundo páreo; em quarto, o Covas, com 7.800.000; despois Maluf, e seus 5.986.000 votos devem ser nomeados corretamente, i.e., pura excrescência de 9% de nossa população – que padece de profunda ignorância, transtornos graves de personalidade, ou apenas possuem interesses diretos.
E o que aconteceu em seguida? A “esquerda, pero no mucho” lulista e a “esquerda incendiária” brizolista acertaram os pontos para enfrentar Collor? Não, não mesmo… Até porque, não existe qualquer ideologia envolvida aqui e no mundo real da política. E dois ditadores não se bicam… como diria o Bicudo. E partimos para o segundo páreo, com um país sempre bipolarizado politicamente. Foi quando rolou o famoso debate da Globo. O próprio Boni declarou que houve edição e manipulação da imagem dos candidatos para induzir o voto em Collor. E todos que leem esta coluna sabem que refuto veementemente fake news e conspiracionismos baratos. O próprio José Bonifácio Sobrinho, em 2011, em uma entrevista gravada e disponível na internet, admitiria o esquema e a ajuda. Mas isso não alterou diretamente a história.
E pasmem vocês, o Collor, em rede nacional, em pleno debate, disparou: “Se esse sindicalista [sapo barbudo] for eleito ele vai confiscar a poupança do povo!”. O resto da história vocês já conhecem. Lembram do presentão de Natal em 17 de dezembro de 1989? E Collor não confisco apenas a poupança, mas também os saldos das contas correntes, pessoa física e jurídica. Mas a culpa foi nossa, minha, sua, que empossamos esse “mito”, com 35.089.000 votos, 53% do total de votos válidos. O Lula, com 31.076.000 dos votos, 47%, alegou fraude nas eleições – um clássico.
E lá estava ele novamente, o “sapo barbudo”, que começa uma transformação… que jamais chegaria à um “príncipe”. O ano é 1993, o Collor caiu, Itamar assumiu, o FHC colhe os frutos e louros do Plano Real, a inflação exponencial foi debelada, e o Brasil foi estabilizado. E o Lula está pregando por aí, em campanha antecipada – e eterna – para as eleições de 1994, que “no Congresso há uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, e uma maioria de 300 picaretas”. E em pouco tempo o Lula assumiria a liderança dessa turma, na primeira versão de “Lula-Lá e o 300 ladrões”… E a refilmagem está em curso aqui e agora.
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